Enquanto alguns casos de descobertas acidentais sempre vão sendo conhecidos, a grande revelação deste livro é perceber a quantidade de produtos e tecnologias que surgiram com traços acidentais e assentes em resultados inesperados. Nos últimos meses o BEQ já deu conta dos casos de serendipidade relacionados com a densidade, a descoberta de poços de hélio, a síntese da ureia, a fotografia, a pílula, os edulcorantes e o polietileno. Contudo, e para que se perceba a quantidade impressionante de descobertas não planeadas, podem-se citar mais exemplos do livro, tais como elementos químicos como oxigénio, iodo; o óxido nitroso e o éter como anestésicos; a borracha natural e artificial; o processo de vulcanização; os corantes sintéticos como a alizarina ou o índigo; a dinamite; a seda artificial Rayon; as reações de Friedel-Crafts; a insulina; os antihistamínicos; a quimioterapia; o LSD; o teste de Papanicolaou; os raios X; a radioactividade; a fissão nuclear; os antibióticos penicilina e sulfamidas; o náilon; o teflon; fármacos psicoactivos, a química orgânica assente no fósforo e no boro; a síntese dos alcenos; o velcro; e o ADN.
Importa referir que algumas das serendipidades citadas foram fortemente premiadas pela comunidade científica internacional. De facto, várias das descobertas citadas proporcionaram aos seus inventores galardões como prémios Nóbel e muita reputação académica e industrial.
Como o autor do livro muito bem refere, não há nada de desprestigiante em assumir, como muitos fizeram, a existência de sorte e de contornos não planeados nas descobertas. Mais do que isso, importa frisar que a sagacidade do inventor é crucial para que um inesperado se transforme numa grande descoberta. Em muitos dos casos foi o interesse e a curiosidade pelos maus resultados, e a energia gasta a tentar compreender o que em verdade aconteceu, o que levou a que se conseguisse consolidar e controlar esse resultados, e moldá-los no sentido desejado e útil.
Ao fazer emergir a importância dos erros e dos nulos experimentais, a leitura deste fez-me recordar uma ideia que alguns acalentam, que é a possibilidade de virmos a ter uma base de dados pública na qual os maus resultados experimentais, isto é, os falhanços, possam ser estudados por quem deseje dedicar-se a estes e procurar entendê-los melhor. Claro que para um erro experimentais seja posteriormente devidamente estudado, é extremamente importante fazer um bom registo das experiências, rico em detalhes. Por isso são tão importantes os cadernos de experiências e os relatórios: disciplinam no sentido do registo dos dados e da explicação dos fenómenos observados.
No fim de contas, e bem vistas as coisas, se os erros são muitas vezes responsáveis por perdas dinheiro e tempo, as quais nos podem valer, por exemplo um despedimento, a verdade é que podem igualmente constituir a semente da próxima descoberta que mudará o mundo. Vale a pena reflectir sobre isto.
Editor do BEQ.