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Sobre a história das tecnologias de iluminação (da vela à lâmpada), e o que esta sugere sobre o paradigma do motor elétrico para o transporte rodoviário



Um dos temas do momento em matéria de transição tecnológica é sem dúvida a mudança de paradigma do motor de combustão interna para o motor elétrico em veículos rodoviários. O duelo foi enfatizado na publicação “Sobre a competição entre motor elétrico e motor de combustão interna em automóveis, e o reposicionamento da eng. química neste duelo”, e os anos que se seguiram a essa publicação têm vindo a reforçar a ascensão do motor elétrico, o qual se encontra no mapa das decisões políticas como uma transição necessária para contrariar a pegada ambiental que o setor dos transportes comporta na atualidade.

Após um período experimental em que o carregamento dos veículos elétricos foi suportado pelo próprio Estado, assiste-se agora à normalização da situação com cada utente de veículo elétrico a ter de suportar as despesas de recarregamento das baterias. É neste contexto que talvez seja pertinente analisar a evolução tecnológica de uma outra aplicação, a iluminação pública e particular, visto que também ela sofreu uma migração de um paradigma de dependência direta de combustíveis fósseis para a generalização da energia elétrica. 

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Iluminação elétrica: uma questão de escala e de custo 

A figura abaixo apresenta uma estimativa da evolução do total de fluxo luminoso mundial ao longo 
dos anos e em função da(s) tecnologia(s) de iluminação existentes. Nela se constata que de 1700 a 1800 as velas deram conta do recado em exclusivo, com uma o fluxo luminoso total a permanecer estável na casa dos 9-10 mil milhões de lúmen-hora. A melhoria de desempenho que constitui a iluminação a gás, que surgiu no início do século XIX, fez disparar o total de fluxo luminoso mundial, passando este a valer entre 100 e 1000 mil milhões de lúmen-hora por volta de 1850. Depois, entre 1850 e 1900 surgiu a iluminação a querosene, a qual em 1900 justificava sozinha mais de 1000 mil milhões de lúmen-hora. Importa salientar que, por volta de 1900, as velas, o gás e o querosene era tecnologias de iluminação alternativas entre si e mantinham todas elas tendências crescentes, a ponto de a iluminação mundial cifrar-se já nos 10 000 mil milhões de lúmen-hora. É então que a entrada no século XX traz consigo a disseminação alargada da lâmpada elétrica e da eletricidade, fazendo disparar o total mundial para mais de 100 000 mil milhões de lúmen-hora em 1950, e mais de 1 bilião de lúmen-hora por volta do início do século XXI. Igualmente importante é notar como a partir do século XX se observa a queda da utilização de querosene e gás para fins de iluminação. Assim, a iluminação por energia elétrica suplantou as fontes fósseis logo que atingiu escala e se aprimorou.

Na base das mudanças de paradigma observadas para iluminação de casas e espaços públicos estão critérios de desempenho, implicações técnicas, e claro, indicadores económicos. A figura abaixo traça a cronologia do preço da iluminação (por milhão de lúmen-hora) no Reino Unido desde 1825 até 2000, onde se verifica que após o surgimento de uma nova tecnologia - seja, gás, querosene ou eletricidade - o preço tendeu a cair abruptamente, e que eletricidade conseguiu suplantar o preço das demais de forma inequívoca. Importa aqui enfatizar que, quando a lâmpada elétrica surgiu, o preço da iluminação por energia elétrica era bastante superior ao do querosene e gás, mas isso não impediu que a tecnologia se estabelecesse, melhorasse e conseguisse tornar-se mais atrativa do que as concorrentes no espaço de alguns anos.

Imagem: Fouquet and Pearson, Seven Centuries of Energy Services: The Price and Use of Light in the United Kingdom (1300-2000)

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O que pode significar o motor elétrico para a engenharia química?


Tal como referido no post BEQ citado inicialmente, “o papel da engenharia química será certamente reformulado em relação ao que tradicionalmente lhe competia.” O motor elétrico para transporte rodoviário depende de tecnologias de materiais, de processos de produção desses materiais, e de saberes que a engenharia química já domina e é capaz de implementar. Em todo o caso, esta possível migração sugere uma maior interligação de disciplinas que historicamente tenderam a segmentar-se e autonomizar-se, como são a dos materiais, química, eletrotecnia, física, e outras.

Metais, semicondutores, díodos, gases, halogéneo, potência, fluorescência, incandescência, baterias, pilhas de combustível, eficiência energética, são exemplos da nomenclatura que engenharia química que se ocupa da iluminação tem de lidar. O assunto entronca também com o tema das energias renováveis, e o modo como a própria eletricidade precisa de ser produzida e armazenada de modo eficiente e sustentável. A figura abaixo exemplifica as diversas tentativas de tornar a iluminação a partir de energia elétrica mais eficaz, para o qual várias tecnologias e processos industriais concorrem entre si para proporcionar soluções e produtos cada vez melhores. 


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Não sendo possível antecipar o que irá acontecer em matéria de transporte rodoviário, é possível e expectável que alguns dos eventos que se avizinham para o motor elétrico tenham semelhanças com a história da iluminação, e que dentro de alguns anos o motor elétrico para o transporte rodoviário que hoje nos parece caro e de incerta implementação generalizada faça o seu percurso de escala e melhoria a ponto de se estabelecer como alternativa competitiva e real para a população mundial.