Neste editorial, permitam-me que comece por enunciar algumas relações mais
ou menos óbvias sobre a atualidade industrial/societal/ambiental, cruzadas com tendências em marcha para resolver alguns dos desafios de mais premente de resolução:
- A atividade industrial existe para abastecer um mercado global de produtos;
- Atividade industrial é geradora de poluição ambiental e causadora de mudanças climáticas;
- A poluição ambiental, as mudanças climáticas conduzem a problemas de conservação das espécies biológicas;
- A investigação e desenvolvimento (I&D) tem uma relação umbilical com a atividade industrial;
- A I&D tem vindo a abraçar os paradigmas da Biorrefinaria ou Biomimética, que se propõem a catalisar a mudança para uma economia verde e circular;
- A Biorrefinaria e o Biomimética procuram identificar e explorar soluções industriais a partir de materiais, mecanismo e métodos biológicos;
E agora, permitam-me também algumas reflexões sobre essa mesma rede de relações:
- A sustentabilidade está-nos a conduzir a novas formas de exploração de espécies animais, vegetais, etc, através de disciplinas de rótulo “verde” como a Biorrefinaria ou a Biomimética. A oferta dos materiais, mecanismos e métodos biológicos desejados depende também ela das mudanças climáticas, poluição ambiental e conservação das espécies, pelo que está a ser condicionada pela própria problemática que vem tentar resolver.
- A menos que se consiga descobrir e implementar atividades industriais assentes na produção/exploração autónoma de materiais, mecanismos e métodos biológicos (ex.: celulose bacteriana, manipulação de aminoácidos e proteínas para reproduzir funções biológicas) corremos o risco de atalhar caminho e preferir explorar diretamente as espécies biológicas originais. Isto pode em si mesmo ameaçar a conservação das espécies e o equilíbrio dos ecossistemas, alargando o espectro de perigos que a atividade industrial pode encerrar para o planeta.
- A partir do momento que mudemos o paradigma da atividade industrial para o modelo das biorrefinarias e/ou soluções biomiméticas em alternativa ao petróleo e a soluções energeticamente intensivas, viraremos uma página para abrir outra: a da modificação das proporções relativas "naturais" das diferentes espécies . Até hoje isso foi acontencendo pela mão da indústria agrícola, alimentar ou de pasta e papel (ex.: monocultura do milho, batatas, eucalipto) e agora, movidos pelo imperativo da “sustentabilidade” (e com os olhos postos no petróleo) a indústria química e outras conexas poderão vir a dar expressão a esta ameaça às proporções relativas "naturais" à custa das escalas de que necessitará para abastecer o mercado global de produtos.
- Qualquer possível legislação contra a exploração abusiva de espécies biológicas irá promover o aparecimento de tráfico de matérias-primas naturais. A este exemplo, veja-se o que sucede hoje com a exploração comercial do chifre de rinoceronte, que é a principal ameaça à conservação desta espécie por estar à mercê de redes de tráfico organizado que o vendem a preço de ouro. Casos idênticos poderão surgir a partir do momento que as espécies biológicas passem a ser o novo petróleo.
- Assim, é irrealista não antecipar como hipótese novas problemáticas, associadas aos paradigmas da Biorrefinaria e Biomimética que o I&D tem vindo a preparar. Sobretudo aqueles que decorrem da inevitabilidade de se atingirem escalas de produção (e de consumo de matérias-primas) que não são inócuos à noção de “naturalidade” logo que a respetiva atividade industrial entre em velocidade cruzeiro. Isto sem falar na tentadora proposta de modificação genética de espécies biológicas com vista a exponenciar “artificialmente” a sua produção “natural” de materiais ou manifestação “natural” de mecanismos. Também aqui teremos uma ameaça à "naturalidade" que a sustentabilidade industrial que se vem projetando tanto quer valorizar.
Editor do BEQ.