Um artigo publicado em 1943 na revista Chemical and Metalurgical Engineering pelo académico Charles F. Bonilla, professor associado de Engº Química da Universidade John Hopkins (Baltimore), traça um panorama sobre a indústria química brasileira que vale muito a pena conhecer. O artigo intitula-se, se traduzido, Avanços da Indústria Química no Brasil. Há uma preocupação com o período pós-guerra em função da altura em que foi escrito e daquilo que se perspetiva para a indústria química brasileira com o fim da segunda guerra mundial.
Partilham-se abaixo alguns trechos interessantíssimos deste artigo:
Ponto de situação da indústria química brasileira em 1943
As indústrias química, farmacêutica e de produtos de tabaco, constituindo uma classe nas estatísticas, contribuíram em 1938 com cerca de 7,6 % do valor de toda a produção industrial, atrás de produtos alimentares com 34,5 % e os fios e têxteis com 32 %. A expansão química está aproximadamente a acompanhar a da indústria como um todo, uma vez que, em 1940, ambas expandiram cerca de 25% no valor da produção em relação a 1938.
O número de fábricas de produtos químicos era de cerca de 2% de um total de 60 mil. Assim, em média, são consideravelmente maiores do que outros estabelecimentos. Contudo, para muitos produtos, a procura brasileira dificilmente é suficiente para constituir o que os americanos considerariam uma fábrica de tamanho económico. Isto aplica-se especialmente aos produtos químicos atualmente importados.
Existe a perigosa possibilidade de que grande parte da expansão química do Brasil ocorra sob a forma de fábricas demasiado pequenas para serem económicas. Se estas procurassem e obtivessem posteriormente protecção sob a forma de direitos de importação acrescidos, a indústria como um todo poderia sofrer, tendo de pagar as perdas destas fábricas. Na verdade, parece que a maior parte da indústria química brasileira já está construída precisamente com estas pequenas fábricas. Isto é provavelmente expectável, uma vez que os avanços técnicos dos Estados Unidos e da Europa estão disponíveis para países como o Brasil antes que a procura dos seus clientes seja demasiado elevada. Certas empresas, por exemplo, estão interessadas em introduzir o fabrico de alguns dos produtos sintéticos mais complicados, embora a escala e o preço tenham de ser desfavoráveis. Um exemplo da tendência natural para as fábricas de pequena dimensão é fornecido pela interessante instalação das Indústrias Reunidas F. Matarazzo (IRFM), de São Paulo. Esta, a maior empresa química do Brasil, é composta por uma multiplicidade de pequenas unidades, muitas delas alojadas em apenas uma sala de boas dimensões cada.
Existem dois aspectos corolários da pequena produção química e do atual boom. Uma delas é que qualquer produção alargada para promover o esforço de guerra será provavelmente facilmente absorvida após a guerra. A outra é que dificilmente é possível expandir consideravelmente a produção de qualquer produto químico sem incluir também todas as matérias-primas. Por exemplo, para aproveitar os subprodutos das coquerias da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, sempre que estes estejam disponíveis, será provavelmente desejável construir fábricas de cloro, ácido nítrico, ácido sulfúrico, formaldeído e outros produtos químicos necessários.
Lacunas de profissionais e de confiança nas competências nacionais
Há uma clara falta de engenheiros nativos no Brasil. Dos cerca de 300 diplomados anualmente, cerca de dois terços são engenheiros civis. Em comparação com cerca de 15.000 nos Estados Unidos, há 1/17 do número de engenheiros per capita. Apenas três das doze escolas de engenharia oferecem cursos de engenharia química, e estas enfatizam a química industrial sem cobertura adequada; conceção ou operação de equipamentos. Várias escolas oferecem cursos de química industrial.
(…) Outro ponto fraco das indústrias químicas e outras é a falta de confiança. Quando um equipamento avaria, é frequente um engenheiro nativo apontar para a placa de características e dizer: “O que pode esperar? É um produto nacional!” Por vezes é verdade que a qualidade da produção é fraca, devido à ideia errada de que vender impurezas sob o rótulo do produto principal é ganhar dinheiro.
Por outro lado, a qualidade dos equipamentos produzidos é frequentemente excelente, embora desconhecida pela maioria dos brasileiros.
Capacidade de construção de destilarias de álcool
Por exemplo, a Cia. Construtora de Destilarias e Instalações Químicas (CODIQ) produz destilarias completas de álcool de todos os tipos, incluindo desidratação azeotrópica com gasolina e benzeno e reaproveitamento de vapor, que são vendidas por cerca de 50 Cruzeiros por quilo de cobre (US$ 1,14 por lb.), semelhante aos preços nos Estados Unidos.
Têm capacidade para cerca de três plantas anidras por mês de 3.000 a 4.000 galões. capacidade diária cada. Construíram pequenas fábricas de etileno a partir de etanol e têm direitos sobre um processo de extracção (Usines de Melle, empregando acetato de etilo) para a concentração de ácido acético.
Não produziram qualquer equipamento de refinação de petróleo porque a procura ainda não existia.
(...) A Skoda Brasileira está também a começar a fabricar destilarias [de álcool] completas, independentes do que era originalmente a empresa-mãe.
Ácido Sulfúrico
A indústria do ácido sulfúrico inclui algumas dezenas de fábricas com uma capacidade de 60.000 toneladas por ano. Uma das centrais queima pirites de zinco, que são posteriormente lixiviadas para uma central de extração eletrolítica de uma tonelada por dia, cujo tamanho será duplicado. Duas fábricas queimam pirites nativas, mas as restantes requerem enxofre chileno ou americano e pagam frequentemente preços elevados.
Um aspecto interessante da indústria é que a maioria dos fabricantes de ácido sulfúrico prefere evidentemente importar enxofre em vez de desenvolver as suas próprias pirites. Entretanto, empresas brasileiras com elevadas necessidades de vapor de processo estão a demonstrar interesse em pirites, queimadas num torrador flash Nichols, devido à escassez de combustível. Existe uma boa possibilidade para o Brasil na absorção de dióxido de enxofre dos gases das fornalhas que queimam carvão com alto teor de enxofre. Uma boa parte das importações de enxofre foi anteriormente destinada ao dissulfeto de carbono para ser utilizado como mata-formigas.
Pelo Decreto nº 5357, de 23 de julho de 1873, garante o privilégio para a produção de dissulfeto de carbono, comercializado sob o nome de “Formicida Capanema”. Fonte: Classificados Ilha
A produção de álcool e seu uso em veículos motorizados
(…) Em 1941, 162 milhões de galões de gasolina foram consumidas nos automóveis, bem como 27 milhões de galões de álcool 95 por cento ou anidro. O álcool foi queimado sozinho em alguns estados. Noutros onde foram utilizadas misturas, estas tinham em média 22% de álcool. O álcool anidro é vendido por cerca de 7 cêntimos por litro, ou 27 cêntimos por galão. A potência obtida é quase a mesma da gasolina, mas as milhas por galão são apenas cerca de 60% superiores às do motor normal. Os motores de alta compressão aumentam o número para cerca de 87%. Meio a dois por cento de glicerina é adicionada por alguns condutores ao álcool, e óleo de rícino ao etanol anidro por outros, para melhorar a lubrificação dos cilindros. Onde se utiliza álcool puro, 95% é frequentemente preferido ao anidro, devido à facilidade de arranque.
(…) A capacidade alcoólica do país está a aumentar continuamente e ronda agora os 180 mil galões de anidro por dia e uma quantidade igual de etanol 95 %. No entanto, estas fábricas têm uma média de apenas 150 dias de funcionamento por ano, paralelamente à época da cana-de-açúcar. Foi recentemente anunciado que 30% do rum produzido seria destilado até 95% para combustível, o que acrescentaria cerca de 7.500.000 galões.
Empresas norte-americanas que operavam no Brasil em 1943:
(…) As empresas americanas que operam fábricas no Brasil incluem a General Motors, Ford, Armour, Wilson, Swift, Johnson & Johnson, Bates Yalve Bag Corp., Prest-O-Lite, Goodyear, Firestone, Hobart-Dayton, General Electric, du Pont ( parte participação na “Dupial”), Esso, International Harvester e Ferroenamel
Fonte: C.F. Bonilla, Chemical Industry Advances in Brazil, Chemical and Metalurgical Engineering, 3, 1943, 96-99