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Entrevista BEQ a Bruno Figueiredo, co-CEO da Graphenest, uma startup portuguesa que desenvolve e produz soluções inovadoras baseadas em grafeno (02/2025)

Bruno Figueiredo (BF) obteve o PhD em Engenharia Química (EQ) pela Universidade de Aveiro em 2016, após se ter formado como mestre em EQ na mesma instituição em 2010. Em 2015 junta-se à startup portuguesa Graphenest como responsável de R&D e COO, e em 2021 assume a função de Co-CEO. Algures nesse percurso, em 2017, foi eleito para a FORBES 30 UNDER 30 Industry Class. Bruno Figueiredo é autor/coautor de 19 publicações científicas no tema de materiais, e é coinventor de uma patente de processo e equipamento para produção de grafeno e materiais relacionadas com este, detida pela Graphenest. Tem estado envolvido em projetos de R&D focados em aplicações de grafeno, podendo-se citar um sobre blindagem eletromagnética, e outro para recuperação de lesões da medula espinhal por via de engenharia de tecidos incorporando grafeno.


Para os leitores do BEQ que não conheçam a Graphenest, de que forma gosta de a apresentar?

BF: A Graphenest é uma empresa deeptech de materiais avançados que desenvolve e produz soluções inovadoras baseadas em grafeno. É uma empresa especialista na formulação de soluções condutoras (tintas e plásticos) para aplicações como blindagem eletromagnética (EMI), uma necessidade crítica em setores como a eletrónica, as telecomunicações e a mobilidade elétrica. Neste sentido, temos trabalhado para tornar o grafeno acessível e funcional em produtos industriais de alto valor acrescentado.


De forma resumida, qual tem sido o percurso da Graphenest?

BF: A Graphenest nasceu da necessidade de superar limitações nos processos tradicionais de produção de grafeno, na altura (2015) para responder aos desafios emergentes do armazenamento de energia. A partir daí, desenvolvemos um método próprio de exfoliação para obter grafeno de alta qualidade de forma escalável e sustentável. Inicialmente focámo-nos na produção de nanoplaquetas de grafeno (graphene nanoplatelets), mas viemos a perceber, mais tarde, que a chave para criar valor estava nas formulações e aplicações finais. Hoje, somos uma empresa focada na entrega de soluções baseadas em grafeno para desafios industriais reais.


Quais os principais objetivos que a empresa ambiciona alcançar no curto prazo? E no médio prazo?

BF: No curto prazo, o nosso objetivo é escalar a produção (é o nosso maior bottleneck) das nossas soluções condutoras, aumentar as vendas e consolidar parcerias estratégicas, fugindo à lógica de entregar apenas um material commodity. Queremos tornar a Graphenest uma referência global em soluções de blindagem EMI e materiais funcionais baseados em grafeno. No médio prazo, pretendemos expandir para novos mercados e aplicações, nomeadamente na mobilidade elétrica (armazenamento de energia), no setor aeroespacial, e nos dispositivos médicos.


 No website da vossa empresa, o Bruno é descrito como um "evangelista do grafeno": o que quer isto dizer exatamente?

BF: Significa que sou um entusiasta do potencial do grafeno e dedico-me a promover a sua utilização em aplicações reais. O grafeno sempre foi alvo de muito hype, o que criou muito desentendimento das suas reais potencialidades, com promessas irreais e futuristas que dificultam o trabalho de comercialização. Na Graphenest focamo-nos em transformação real, com produtos prontos para o mercado. Parte do meu trabalho é sensibilizar indústrias e decisores sobre como o grafeno pode resolver desafios tecnológicos.


Qual a aplicação em que grafeno está mais avançado para reinar como um material imbatível?

BF: Na Graphenest acreditamos que a blindagem eletromagnética é uma das aplicações mais promissoras, onde o grafeno pode substituir metais e oferecer soluções mais leves, flexíveis e sustentáveis. A nossa tecnologia G-Shield e HexaShield é um exemplo disso, permitindo proteger dispositivos eletrónicos contra interferências sem comprometer peso ou design.


Vê o grafeno como um material chave para a descarbonização global? Como exatamente?

BF: Sim, o grafeno pode contribuir de várias formas. Pode reduzir o peso dos materiais usados, nomeadamente os tradicionais metais (alumínio, cobre, aço) que são usados para promover a blindagem EMI. Este metais podem ser até 8x mais densos que uma solução (tinta ou plástico) baseada em grafeno e, portanto, limitadores da autonomia de um veículo. Para além disso, os metais têm processos de fabricação complexos e poluentes, intensos em tempo e energia. Pode também melhorar baterias e supercondensadores, impulsionando a mobilidade elétrica e o armazenamento de energia.


Atendendo a que o grafeno pode ser usado para produzir poderosas baterias elétricas, deve Portugal esquecer a mineração e refinação de lítio e apostar ao invés na produção deste tipo de bateria?

BF: Portugal deve procurar um equilíbrio. A mineração de lítio deve ser feita de forma sustentável, mas não devemos depender exclusivamente disso. A aposta na inovação, incluindo novas químicas de baterias, pode colocar Portugal numa posição mais vantajosa na cadeia de valor da energia. Segundo li, a minha do Barroso é a maior mina de lítio da Europa, com recursos que podem ascender a 50% da meta de extrair 10% do seu consumo total do minério em solo europeu. Portanto, trata-se de uma mina estratégica para Portugal e para a EU. Por outro lado baterias de grafeno têm um enorme potencial, mas ainda enfrentam desafios significativos para chegar ao mercado em larga escala. Há avanços promissores mas ainda não atingiram maturidade industrial suficiente para substituir as tecnologias convencionais. O problema principal não é apenas o desempenho, que já demonstrou melhorias em capacidade, tempo de carga e longevidade, mas também a escalabilidade da produção, os custos e a adaptação às linhas de fabrico já existentes. Se tivermos uma revolução tecnológica na síntese e integração do grafeno em baterias nos próximos anos, então poderemos ver uma adoção mais acelerada.


Qual o envolvimento que a Graphenest procura ter no desenvolvimento de aplicações concretas baseadas em grafeno: ser fornecedora do produto, participar do próprio desenvolvimento, ou ambas?

BF: Ambas. Somos fornecedores de soluções baseadas em grafeno, mas também participamos ativamente no desenvolvimento de produtos finais em colaboração com clientes e parceiros industriais. Normalmente é um processo por etapas: primeiro codesenvolvemos para depois fornecer.

Em sua opinião, o destino comercial do grafeno será tornar-se numa commodity, ou permanecerá como uma especialidade química?

BF: Dependerá da aplicação. Para algumas utilizações pode tornar-se uma commodity. Por exemplo, há quem o esteja a usar para reforçar cimento, tirando partido das suas propriedades mecânicas para reforço estrutural. No entanto, para aplicações de alto desempenho, como blindagem EMI e eletrónica flexível, pretendemos que este permaneça uma especialidade química de alto valor.


Em que medida estar localizado em Portugal representa uma vantagem para a vossa empresa?

BF: Portugal tem excelentes instituições de investigação, vários incentivos à inovação e um custo de operação (sobretudo recursos humanos) competitivo. A localização facilita a conexão com mercados europeus.


E, pelo contrário, em que medida representa uma desvantagem?

BF: O ecossistema industrial ainda é pequeno para materiais avançados, e a escala de produção é um desafio. Cremos que para uma empresa deeptech a captação de investimento também pode ser mais difícil comparado com outros países ou continentes.


O que poderia ser feito, a nível político, para facilitar empresas como a Graphenest a singrarem e acelerarem o seu sucesso?

BF: Sobretudo simplificar processos regulatórios e fomentar colaborações entre startups e indústrias tradicionais seriam medidas importantes.



Qual a relevância de ter tirado um doutoramento na área de materiais para o desempenho da cargo de CO-CEO da Graphenest?

BF: Deu-me uma compreensão profunda sobre como caraterizar e posicionar um nanomaterial para uma determinada aplicação, permitindo um posicionamento estratégico mais assertivo no mercado.


De que modo ter formação em engª química (EQ) facilita o empreendedorismo tecnológico?

BF: Facilita a compreensão de processos industriais, formulação de produtos e escalabilidade, elementos essenciais para transformar inovação em produtos reais.


Que tipo de conselho daria a jovens estudantes ou profissionais de EQ que sintam o chamamento do empreendedorismo tecnológico?

BF: Identifiquem um problema real, testem soluções rapidamente e rodeiem-se das pessoas certas. Empreender exige resiliência e um equilíbrio entre a paixão pelo produto e a viabilidade de mercado.


Que figura pública o inspira para a sua vida profissional e porquê?

BF: Não tenho uma figura pública que me inspire totalmente, mas daquilo que vou podendo escutar, ver e ler, reconheço que o Álvaro Beleza, com a capacidade de conciliar pensamento estratégico com ação prática, é um exemplo valioso para qualquer empreendedor que pretenda transformar ideias inovadoras em realidade.


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O BEQ agradece publicamente a Bruno Figueiredo pela disponibilidade de ser entrevistado e a prontidão com que correspondeu ao convite. Entrevista realizada em Fevereiro de 2025.