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Sobre a separação química ser uma alternativa à reação química no contexto da biorrefinaria e economia circular, e a molécula (+)-perseanol como 'case study'

A formação em engenharia química pressupõe a aquisição de conhecimentos ao nível da reação química mas também da separação química. A função da reação química e da separação química é muitas vezes tida como complementar, sobretudo quando estas etapas são combinadas em sequência, tal como no caso de uma coluna destilação colocada a jusante de um reator, ou de uma etapa de filtração após uma etapa reacional.

Acontece que existem contextos em que a separação pode ser vista como uma alternativa à reação química. Em matéria de produtos naturais, muitos com potencial farmacêutico ou de outro tipo, há fundamentalmente dois caminhos: apostar espécies naturais que produzam os compostos-chave de interesse e centrar o processo em métodos de separação capazes de os isolar, ou então desenvolver protocolos de síntese que permitam chegar aos compostos-chave desejados a partir de precursores químicos. 

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Vem isto a propósito da publicação na reputada revista Nature (Setembro de 2019) de uma estratégia para a síntese da molécula conhecida como (+)-perseanol, que se sabe possuir uma potente atividade inseticida e inibidora de insetos (antifeedant). Esta molécula foi descoberta na segunda metade do século passado em folhas do arbusto da espécie Persea indica, existente no arquipélago das Canárias. 

Trata-se de um diterpeno da classe rianodano (ryanodane), que pertence à categoria dos metabolitos secundários, ou seja, compostos não essenciais à vida da planta, biossintetizados pela planta a partir de aminoácidos, enzimas, e compostos intermediários. Os metabolitos secundários são as 'invenções químicas' que as diferentes espécies de plantas fizeram a título evolutivo para combater predadores, atrair polinizadores, proteger da radiação, em suma, tratar dos problemas e necessidades com se confrontam nos seus ecossistemas.

Muitas das moléculas que a indústria farmacêutica tem comercializado ao longo da sua existência, provém de descobertas destes compostos naturais. Exemplos disso são a molécula anti-malária Artemisinina, ou as sapogeninas a partir das batatas silvestres mexicanas (de onde se inventou a pílula anticoncecional).


Implicações de obter (+)-perseanol por reação ou separação:

A síntese reportada na Nature compreende um total de 16 passos, partindo de uma molécula que já é também ela uma especialidade química: (R)-(+)-Pulegona. Combinando os rendimentos reportados para cada sequência, o rendimento ao fim de 16 etapas reacionais é de ~2 % (massa, wt.), e a pureza final não é reportada. Há seguramente mérito no mapeamento do processo de síntese, mas a complexidade é substancial, e o rendimento ainda assim diminuto. Com tantas etapas de reação com rendimentos compreendidos entre 44-93 %, é expectável que esta síntese deixe para trás um 'mar' de efluentes e resíduos para tratar, desde logo solventes, reagentes e produtos indesejados.

Confrontemos o referido trabalho com os resultados publicados em 1997 na revista Journal of Natural Products, onde os autores mostram que é possível obter a mesma molécula com um rendimento de ~1 % (massa, wt.), a partir da extração de folhas de Persea indica. Para isto recorrem a três etapas de separação: extração com etanol (1), extração com acetato de etilo (2), e cromatografia de coluna seca (DCC). A figura abaixo esquematiza as diferentes de abordagens.



O que é preferível então: reação ou separação?

Não é possível responder a esta questão de forma definitiva. Depende de várias coisas, tais como: o tipo de aplicação final pretendida (cosmética, farmacêutica, agricultura, etc), a abundância dos recursos necessários (folhas de P. indica, reagentes, catalisadores), o custo de produção de ambos os processos, o custo de tratamento dos resíduos gerados, ou o valor de mercado do produto final obtido por um ou outro processo.

Uma das dificuldades ao avaliar processos de produção assentes em extratos naturais é o valor de mercado destes produtos, sobretudo se os compostos-chave estiverem longe de atingir graus de pureza elevados. Outra dificuldade é o grau de variabilidade que é possível encontrar no processo, desde logo entre exemplares de planta, localização, épocas do ano etc. Porém, a abordagem reacional muitas vezes conduz à produção de produtos indesejados que depois precisam de ser cuidadosamente eliminados, inclusivamente enantiómeros, para que o produto não tenha contaminantes contraproducentes ao efeito desejado.

Em qualquer caso, serve esta publicação sinalizar que existem contextos em que operações unitárias de separação podem concorrer com operações unitárias de reação para o mesmo fim. Tendências como a biorrefinaria economia circular estão repletas desses casos, desde logo porque os diferentes seres vivos sobre os quais a economia de base natural pode assentar (animais, vegetais, algas, microrganismos, etc) têm a sua própria capacidade de (bio)síntese de compostos, podendo substuir-nos nessa questão.