Teve lugar no dia 5 de Novembro de 2020 uma excelente sessão de debate promovida pela Ordem dos Engenheiros (OE) com vista a aferir as vantagens e desvantagens da adopção da produção industrial de Hidrogénio (H2) verde em Portugal. Intitulada, "Hidrogénio: oportunidade ou risco?", a sessão integra o ciclo #JuntosSomosEngenharia, e contou com a participação do Bastonário da OE, Carlos Mineiro Aires (CMA), e moderação por Miguel Prado, jornalista do Expresso.
Os oradores convidados para este evento foram:
- António Vidigal (AV), da EDP Inovação.
- Clemente Pedro Nunes (CPN), do IST;
- João Peças Lopes (JPL), da FEUP;
- Joaquim Delgado (JD), da Escola Superior de Tecnologia de Viseu;
- Luis Mira Amaral (LMA), Engenheiro e Economista;
- Sérgio Goulard Machado (SGM), Diretor Global Business Development Galp.
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Tendo havido oportunidade de assistir e sistematizar as informações veiculadas neste webinar, serve esta publicação do BEQ fornecer de forma organizada informação que foi sendo veiculada. Optou-se por construir uma análise SWOT (apresentada abaixo) com os elementos compilados, que possa contribuir para melhor sumariar o que está em causa quando falamos H2 verde em Portugal no horizonte 2020-2030.
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Notas prévias da OE:
- A OE não tem posição oficial sobre o tema do H2;
- A OE tem como expectativa potenciar a Engª nacional;
- No seu preâmbulo, CMA reconhece a existência de um RoadMap para o H2 na Europa, suportado por vários documentos da comissão europeia;
- A OE considera que a tecnologia que possibilita o H2 é ainda imatura e nesse sentido lançou o webinar colocando o tema como "oportunidade ou risco";
- CMA refere que a avaliação do interesse do projeto deve subordinar-se à seguinte "equação": Viabilidade = Engª + Custos Competitivos.
INFORMAÇÃO INTRODUTÓRIA:
- O H2 é um gás cuja combustão gera calor e água. Porém, a sua utilização implica armazenamento a pressão elevadas, que podem chegar a 700 atm [AV];
- A produção de H2 é uma solução que permite o armazenamento de eletricidade, idêntica à ideia de voltar a encher uma barragem à custa de bombas que usam energia elétrica excedentária da rede. [CPN] O H2 não está a ser ponderado para substituir a eletricidade [SGM];
- Descarbonização da economia = eletrificação da economia. Porém, o H2 é um vetor complementar à eletrificação da economia, visto que vários setores não podem beneficiar de eletricidade apenas [JPL];
- O uso de H2 coloca-se em dois domínios: (i) industriais, onde tem sido usado há mais de 100 anos para produção de amónia/nitrato de amónio para fertilizantes, com H2 cinzento; (ii) sistema elétrico, onde pode ser usado como vector energético para armazenamento de energia elétrica. [JD];
- A energia elétrica é necessária para 5 domínios: accionamento mecânico, iluminação, produção de calor, para alimentar tecnologias de informação, e para transporte de informação. Com exceção da produção de calor, nos restantes domínios a energia elétrica é transportado de modo imaterial. Neste sentido, o H2 é um portador físico de energia, que requer transporte material [JD];
- Se acreditamos mesmo na transição energética e se queremos mesmo limitar as alterações climáticas nós vamos precisar de vetores energéticos mais limpos, e com certeza do H2 [SGM];
- A electrólise de água é um processo com 200 anos [JPL];
- Nos anos 70 do século passado equacionou-se a substituição de hidrocarbonetos pelo H2 [LMA];
- Não há qualquer diretiva europeia que obrigue a produzir H2 verde por eletrólise de água.[LMA];
- O governo português decidiu impor (RCM 63/2020) quotas obrigatórias de H2 verde até 2030, no gás natural, na energia consumido pelo setor industrial, no transporte marítimo, no consumo final de energia, na capacidade instalada de eletrolisadores, e na criação de postos de abastecimento de H2 [LMA].
ANÁLISE SWOT BEQ
H2 verde em Portugal - FORÇAS:
- A densidade energética do H2 em base mássica é 33 kWh/kg, contra 12-13 do diesel, e 0.3-0.4 das baterias elétricas [JD]. Em energia por unidade de massa os eletrões/bateria e o diesel perdem para o H2 [AV];
- O H2 surge nesta fase pela convergência de 4 forças: limitação de emissões, redução acentuada dos preços das renováveis e eletrólise, apoio estratégico nacional e supracional, e interesse de investidores e indústria [SGM];
- Em projetos industriais, a utilização de fontes eólicas e solares para viabilizar H2 verde poderá tanto ocorrer em circuito fechado ("dedicado") , como por via da rede pública [JPL];
- A EDP tem a tecnologia de produção de H2 por eletrólise já validada em projetos anteriores [AV];
- Para além da redução de custos nas eólicas e fotovoltaicas nos últimos anos, os custos da eletrólise reduziram-se 60% nos últimos 10 anos, e espera-se que nos próximos 10 anos se reduzam ainda em 50% [SGM];
- A GALP é o maior operador ibérico fotovoltaico [SGM];
- A constituição do laboratório colaborativo HyLab permite ter confiança de que Portugal será capaz de gerar conhecimento de suporte aos empreendimentos de H2 em Portugal [AV]. O Laboratório colaborativo para o H2, HyLab tem por objeto reduzir custos de produção de H2, os custos de armazenamento + transportes e distribuição, explorar novos modelos de negócios, etc.[JPL];
- Enquanto que o recarregamento de veículos elétricos é moroso, o recarregamento de veículos a H2 em veículos é muito mais rápido [AV].
H2 verde em Portugal - FRAQUEZAS:
- Aos preços atuais do gás natural o custo do H2 eletrolítico é 6 a 8 vezes mais elevado do que o H2 a partir de gás natural (assumindo 90 % de metano) [CPN];
- Em base volúmica, a densidade de energia do H2 é 0.003 kWh/L (se a 1 atm) ou 0.8 (se a 700 atm). Este valor compara com o das baterias elétricas, e é muito inferior ao do diesel e gasolina (9-10 kWh/L) [JD];
- A eficiência global do processo de conversão de eletricidade em H2 andará entre 16 e 45 % [LMA];
- O uso de H2 verde como vetor de energia funciona, mas agrava as emissões e agrava o custo da energia [JD];
- Sendo H2 e eletricidade transportadores de energia, no estado atual da arte transportar eletricidade é mais eficiente [LMA];
- O H2 é também mais caro e difícil de transportar que o gás natural [LMA];
- O rácio capital/produto dos projetos de H2 previstos para Portugal ascende a 9.4, quando nos projetos industriais este rácio costuma situar-se em 2 a 3. É demasiado capital investido para tão pouco produto [LMA];
- Nas PMES cada 1M€ cria em média 4-5 empregos. Assim 1000 M€ criariam 4 a 5 mil empregos. Com o H2 verde, o governo propõe-se criar o mesmo número de empregos com 7 vezes mais investimento [LMA];
- A eficiência de conversão da combustão de H2 em veículos é de 22 %, enquanto num veículo elétrico a eficiência é de 77 %; [AV];
- Comparando o modelo Tesla Model 3 (elétrico) com o Toyota Mirai (a hidrogénio), ambos têm o mesmo peso (1850 kg), a autonomia é também idêntica (500 km), o preço idem (60 k€), mas o elétrico carrega em qualquer lado, e o Mirai apenas num posto de H2. Acresce ainda a extrema complexidade do sistema a hidrogénio quando comparado com o elétrico [JD];
- Considerando as etapas de eletrólise, compressão/liquefação, transporte e uso em célula de combustível, o rendimento é de 25%, ou seja, perde-se 75% da energia pelo caminho [JD].
- As células de combustível requerem metais raros e ainda elevada manutenção, tendo curta duração [LMA].
H2 verde em Portugal - OPORTUNIDADES:
- O tema do H2 foi suscitado na Europa pela ideia de que o transporte aéreo e marítimo não pode ser solucionado com recurso a baterias elétricas [LMA];
- A migração para a realidade de "internet da energia", fará com que as fontes solar e eólica representem o novo carvão, e em que o H2 e as baterias representem o novo petróleo [AV];
- Para a rede pública, o H2 pode ser a forma de compensar anos hidrológicos secos, eliminar desperdícios em momentos temporais em que as renováveis não podem estar a ser consumidas pelos consumidores, e permite um acoplamento do setor do gás e eletricidade [JPL];
- O custo do H2 verde em 2020 é de 3.5-5 €/kg. Por volta de 2030, descerá a 1.5-1.9 €/kg, contra 3.5 €/kg H2 cinzento (fóssil). Em 2025 o H2 verde poderá atingir já paridade de custo [JPL];
- Está a ser criado um ecossistema tecnológico que abrirá portas para um cluster industrial em H2 verde [JPL];
- É possível mitigar a menor competividade da densidade energética do H2 em base volúmica caso este seja convertido em amoníaco verde (4.3 kWh/L), o qual é líquido a condições ambiente [JD];
- Nas indústrias em que H2 é necessário, a proposta é que este seja produzido por eletrólise localmente, sem transporte associado [JD];
- O recomendável é avançar projetos piloto de demonstração, mas não avançar com projetos de grande escala neste momento [LMA];
- Em 30 anos, o H2 poderá vir a ter o peso na matriz energética que hoje a eletricidade tem [SGM].
- Em 2050, o H2 poderá representar 18 a 24% da energia usada [SGM];
- Há fundos europeus especificamente disponíveis para projetos de H2 verde [SGM].
H2 verde em Portugal - AMEAÇAS:
- O sistema elétrico português está baseado em Feed In Tarifs, que permitem um exclusivo de mercado aos produtores de energia, levando a que os consumidores fiquem obrigados a pagar os investimentos efetuados para acompanhar as evoluções tecnológicas no setor da energia (ex.: fotovoltaicas). Isto tornou muito atrativo fazer investimentos, ainda que com tecnologias imaturas, porque o retorno está garantido. Por outras palavras, o consumidor ficou obrigado a pagar tudo o que for preciso para que os objetivos governamentais sejam alcançados" [CPN];
- Pelo menos três acidentes espaciais foram causados por brechas na segurança no uso de H2 para propulsão, motivo pelo qual se deixou de usar como combustível para este fim, por troca com um querosene especial, um dodecano (SpaceX) [JD];
- Só um preço de H2 na ordem de 1 €/kg é que não afetará o preço final da mistura de gás natural e H2 [LMA];
- Enquando solução de armazenamento de energia, apenas Power to gas (metano ou amoníaco) são hipóteses exequíveis para o H2 [JD];
- A 2º lei da termodinâmica impõe que qualquer transformação energética leva a uma degradação da energia utilizada, logo a conversão de eletricidade em hidrogénio implica forçosamente um desperdício [LMA];
- Para que um preço de H2 verde entre 1.1-2.4 €/kg em 2030 seja competitivo, a tonelada de emissão de CO2 deveria ser 120 €/ton (atualmente está em 30) [LMA];
- Segundo a Agência Internacional de Energia, Portugal planeia investir 5-10 mil M€ em H2 até 2030, contra 9 mil M€ da Alemanha. É uma enorme desproporção, que mostra excessiva ambição portuguesa [LMA];
- Portugal apenas contribui com 0.15% das emissões mundiais, e o plano nacional de energia e clima quer que Portugal, em certas metas, estejamos à frente das orientações comunitárias [LMA];
- O custo do H2 tem 4 componentes: custo da energia renovável, factor de capacidade das centrais renováveis, custo dos eletrolisadores, custo do capital. Os eletrolisadores são ainda uma incógnita em matéria de durabilidade e eficiência [LMA];
- A ERSE alerta para o risco de criar um sobrecusto de H2 no gás natural em tudo semelhante ao sobrecusto das eólicas no custo de eletricidade [LMA].
O Projeto H2Sines como âncora do H2 verde em Portugal:
O projeto H2Sines pretende ser âncora na economia do hidrogénio em Portugal, e posiciona-se para ser um dos mais competitivos da Europa. O projeto H2Sines beneficia da conjugação de condições de infrasturura de Sines, vai ser desenvolvido de forma faseada, sendo certo que é crucial tomar partido das economias de escala nos custo dos eletrolisadores, custo da eletricidade, e fator da capacidade [SGM].
A EDP começou a debruçar-se sobre o tema de H2 em 2018, e após 3 projetos, tem em perspetiva agora o projeto H2Sines, que abrange de um consórcio de várias empresas em Portugal e na Holanda, e que não tem por objetivo competir ou conflituar com o mercado português de energia elétrica. O projeto nasceu da ambição do Porto de Roterdão de ser o grange canal de distribuição de H2 naquela região da Europa, precisando para isso de estabelecer protocolos marítimos de importação de H2 por todo o mundo, de que o Porto de Sines é exemplo. Existe o compromisso holandês de escoar todo o H2 que seja produzido em Sines, com pagamento do sobrecusto que o H2 possa representar. A EDP encara o projeto em 3 fases de aumento progressivo de escala, sendo o último e maior uma unidade com 1 GWh de capacidade [AV].