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Sobre a produção de H₂ verde em Portugal - Editorial (Novembro 2020)

Tendo sido o mês de Novembro de 2020 particularmente fértil em incursões pelo tema do Hidrogénio verde, julgo oportuno um pronunciamento editorial sobre esta matéria, que possa contribuir para o debate público que está a ser feito em torno desta tecnologia.


1) Da estratégia comunitária à estratégia portuguesa

O repto pela adoção industrial do H verde está a ser suscitado pela Comissão Europeia, e como tal não é plausível que Portugal fique de fora, como espectador, daquela que poderá ser uma revolução na forma como entenderemos e lidaremos com a eletricidade no espaço Europeu, e na forma como esta se tornará parceira dos combustíveis armazenáveis. Se é verdade que o H verde é uma aposta para o futuro, então os ganhos maiores terão sempre de ser procurados no médio e longo-prazo, e também por isso os países-membros estão a ser aliciados com fundos europeus para suportar aqueles que seriam, de outro modo, investimentos de enorme risco, pouco apetecíveis. Portugal e a sua iniciativa privada devem envolver-se no tema apesar dos riscos existentes, dado haver aqui uma clara questão de aproveitar o time to market.


2) Nos ombros das "dispendiosas" eólicas e fotovoltaicas 

Portugal tem falta de competitividade no preço da eletricidade. Estamos escaldados com as Feed-in tarifs, mas isso não pode significar que nos vamos demitir de participar no futuro, sobretudo quando este passa precisamente pelas eólicas e fotovoltaicas que tão excessivamente continuaremos a pagar até 2030. Será possível equacionar o H verde sem ter de criar novas Feed-in tarifs? Visto que estamos no domínio da conversão de energia elétrica em químicos (H ou outros produzidos a partir deste) o normal é que aqueles que manifestem interesse na tecnologia edifiquem os seus planos de negócios sem a benesse de portagens pagas pelos contribuintes portugueses mas com a benesse de fundos europeus que existem para o efeito. A premissa do recurso ou não a Feed-in tarifs requer um esclarecimento. O H só é verde se a eletrólise que o produz depender de renováveis, e Portugal está bem posicionado em matéria de renováveis. Logo: Portugal tem presentemente condições instaladas que mais depressa abrem a porta do H verde, do que se ainda nem sequer renováveis tivesse no seu mix energético, com Feed-in tarifs ou não.


3) Sinergias económicas positivas para Portugal:

De importador crónico de combustíveis fósseis Portugal poderá encontrar no H verde um virar de página no sentido de se tornar autosuficiente e exportador de energia. Atendendo a que o país tem condições naturais para potenciar fontes de energia renováveis (hídrica, eólica e fotovoltaica) mas que estas pecam pela sua intermitência e pela falta de valia em aplicações não-elétricas, o H verde propõe-se a aplacar esses dois problemas: a intermitência dá lugar à possibilidade de fazer buffer de energia via armazenamento de H, e a extensão gradual do H a outros domínios (dos transportes áereos e marítimos à rede de gás natural) permitirá paulatinamente ao país ambicionar estender ainda mais o alcance das renováveis que já domina. Acresce que o plano de tornar Sines num pólo de exportação de H vem também ajudar a resolver o subdesenvolvimento do Pólo Petroquímico de Sines, que tarda em atingir o potencial para o qual foi projetado. Com o reforço do porto de Sines poderá surgir o reforço do tráfego de marinha mercante nesse porto, que naturalmente se abastecerá de combustível por lá. 


4) O H verde e o outgreening

No livro Quente, Plano e Cheio - Porque precisamos de uma revolução verde , T.L. Friedman fala de outgreening, ou em como é possível singrar economicamente criando vantagens competitivas de natureza ambiental, que levam inclusive a eliminar a concorrência que não se adapta rapidamente a esses critérios. Após décadas de aposta em renováveis Portugal arrisca-se a ser arredado do mercado europeu de energia se não aderir ao H verde. Continuar a investir em  tecnologias e fontes de energia que não trazem vantagens competitivas de natureza ambiental levarão irrediavelmetne à menorização de Portugal no contexto europeu. E convém lembrar que contrariamente ao gás natural, que só existe onde a Natureza o possibilita, o H verde existirá sobretudo nos países que queiram ser inovadores e conquistem uma posição de mercado que tardiamente será difícil de disputar. Portanto, vale a pena recordar que o risco não existe apenas do lado da adoção de H, também há risco no lado da não-adoção de H verde.


5)  A ausência de convulsão social em torno do H verde 

Contrariamente à questão da exploração de lítio em território português ou de petróleo na costa portuguesa, o H verde não suscitou qualquer objeção por parte de comunidades civis ou associações ambientais. No caso de Sines o impacto na qualidade do ar será seguramente incomparavelmente inferior ao da presença de uma refinaria e uma central a carvão durante décadas. Por outro lado, o H verde pode ser produzido a partir de água do mar, não compete com recursos hídricos potáveis.  Com isto, tem o mérito de recorrer a recursos naturais (água, sol, vento) de tal modo abundantes e não apropriáveis que dificilmente algum cidadão se sentirá lesado pela exploração em escala destes. É altamente improvável que alguém se venha a insurgir contra a produção de H verde, situação rara no contexto de iniciativas industriais de grande monta.


6) Como, onde e em quê usar H: um debate à parte

O modo como as sociedades irão usar o H verde no futuro, e em substituição do quê, é um subtema deste assunto que ensombra o debate sobre a produção de H verde em Portugal. Emsombra-o porque é um debate que fragmenta a discussão geral sobre a adesão ou não à pioneira produção de H verde enquanto nova commodity. Independentemente do que futuro nos reserve em matéria de adoção do H verde em transportes, o que está presentemente em jogo é a convocatória para que os interessados possam apresentar-se e comecem a envidar esforços rumo à produção de H verde em larga escala. O debate geral não pode perder-se nos feelings e prognósticos específicos quanto ao sucesso do uso de H em dada aplicação, seja na combustão direta ou via células de combustível, seja em aviões ou em camiões, seja segundo pipeline ou por produção no local. Esse debate é um debate de especialidade e não pode anestesiar a produção de H verde à custa de sensibilidades quanto a usos específicos dessa commodity. Certamente que muitos vaticínios sobre o H verde se arriscarão a ser sucedâneos da frase de Ken Olsen quando afirmou em 1977 não haver razões para que um indivíduo tenha um computador em casa. 

Editor do BEQ.