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Sobre a ancestral impermeabilização de ânforas com recurso a resina vegetal e cera de abelha, e o vinho de talha como património português que preserva essa técnica

 


Impermeabilização de ânforas: uma técnica e legado romano e pré-romano

(...) A análise do conteúdo das ânforas pré-romanas e romanas sempre foi um tema 'quente’ para os interessados ​​na economia do mundo antigo.

A presença de resina/breu/pez nas ânforas pode dar uma boa indicação do conteúdo em resina, que foi aplicada na parede interna das ânforas pelas suas qualidades de impermeabilização e/ou aroma.

(...) Esta resina apresenta-se como uma camada escura, muitas vezes semi-vitrificada e fissurada.

(...) As análises arqueométricas orgânicas realizadas por F. Formenti revelaram que a resina era quimicamente incompatível com o azeite, que dilui a resina, pelo que a descoberta desta camada nas ânforas indica que estes recipientes não serviam para transportar azeite (Formenti, 1991 e 1993) . Esta regra foi aplicada inquestionavelmente durante décadas, e a presença de resina (ou pez) (...) em ânforas foi usado como substituto para afirmar que essas ânforas continham vinho ou molho de peixe.

As ânforas de vinho possuem fundo plano e perfurações para fermentação (ver figura abaixo). As ânforas de vinho apresentam diferentes tipologias dentro do seu clássico formato de fuso.

Fonte: D. Bernal-Casasola, What contents do we characterise in roman amphorae? Methodological and archeological thoughts on a 'trending topic ull, ArchaeoAnalytics: Chromatography and DNA analysis in archaeology. Esposende: Municipio de Esposende (2015) 61-83.


Ânforas Romanas e Gregas de Vinho e Azeite - British Museum, via Karwansaray Publishers


O vinho de talha, do Alentejo, como património vivo do legado romano

O vinho de talha é uma prática muito antiga, em Vila de Frades, concelho da Vidigueira, distrito de Beja (Portugal), segundo dados históricos, indicam que a talha existe desde a época romana, ou seja, há mais de dois mil anos. Uma prova disso é as ruínas de São Cucufate, uma vila romana do seculo I. (Anónimo, 2018a)

(...) Sabemos por gravuras que os romanos vinificavam e guardavam os seus vinhos em potes e vasos 
semelhantes, ou mesmo iguais, às talhas que ainda hoje encontramos em Portugal. Segundo os etimologistas, o topónimo de talha deriva do latim “Tinalia” que significa vaso ou vasilha de dimensões grandes. Uma talha é, portanto, um pote de barro, mais ou menos poroso de acordo com o tipo de argila de que é feito, com o destino de permitir a fermentação de mostos vínicos e posterior armazenagem de diversos produtos líquidos com destaque para o vinho e azeite. Atualmente assiste-se a um renascer dos vinhos de talha, vinhos únicos, plenos de caráter e identidade Alentejo. (Vinhos do alentejo, 2018) 

(...) A talha é de especial importância no decurso do processo de vinificação, por o barro ser um material poroso e assim permitir uma microxigenação no interior da vasilha (que é besuntada previamente com pez, uma resina natural, a fim de evitar a oxigenação excessiva e com cera de abelha).

Fonte: Caveira, J. (2018). Estudo para a caracterização de vinho de talha na região de Vila de Frades.  Instituto Politécnico de Beja, Escola Superior Agrária.



 O Centro Interpretativo do Vinho de Talha (CIVT) abriu as portas ao público, como espaço de interpretação, de difusão científica e tecnológica e de divulgação do património imaterial relacionado com o saber-fazer daquele produto ancestral.

Este novo equipamento municipal, situado na freguesia de Vila de Frades, concelho de Vidigueira (Portugal), pretende transmitir aos visitantes as memórias, as vivências e as experiências relacionadas com o vinho de talha e com as gentes que ciclicamente fizeram chegar esta tradição aos dias de hoje.


A "pesgagem", a técnica de impermeabilização artesanal da ânforas/talhas:

A maneira como se efetua a pesga da talha passa pelo forte aquecimento do seu interior, colocando-a ao alto e de cima para baixo (ou seja, com a boca virada para o solo) sobre quatro pedras a fazer de  apoio, no meio das quais se acende uma fogueira. Conta um dos produtores de vinho de talha, que a  talha é um material poroso, necessita de um revestimento que a torne menos permeável. O método tradicional de impermeabilização é a “pesga” ou a “pesgagem” da talha, isto é a rebocagem da  mesma com resina de pinheiro a que se chama de pez louro.

O objetivo desta queima é fazer derreter os restos de pez que foram anteriormente colocados na talha, fazendo-os deslizar até à abertura virada para o chão e removendo-os, ao mesmo tempo que se prepara o interior da talha para agarrar a nova pez a colocar. Simultaneamente, prepara-se a nova pez de acordo com a receita do pesgador, sendo utilizada uma grande proporção de pez louro à qual pode ser adicionada cera de abelha e/ou azeite. (Vinho de talha, 2017).

Fonte: Caveira, J. (2018). Estudo para a caracterização de vinho de talha na região de Vila de Frades.  Instituto Politécnico de Beja, Escola Superior Agrária.


No episódio 3 da série documental Vinhos com História produzido pela RTP (15 de Abril de 2024), o Vinho de Talha é abordado, sendo mostrado do minuto 18 em diante a técnica artesanal da pesgagem.


A resina de pinheiro enquanto fonte do pez louro usado na pesgagem

A resina depois de extraída do pinhal é encaminhada para unidades industrias em que vai passar pela primeira transformação industrial. Nesta primeira abordagem industrial a resina vai sofrer um processo de limpeza, para extracção de impurezas através de filtração, seguida de um processo de destilação e, que são separados os dois principais derivados: colofónia e essência de terebentina.

Imagem: Resipinus


A colofónia ou pez louro é um derivado da resina resultante da destilação da mesma, representa a componente sólida, não volátil da resina de pinheiro (cerca de 80% do total). À temperatura ambiente é um Sólido de cor âmbar, frágil (quebradiço), amorfo, transparente e vítreo, constituída por ácidos resínicos principalmente o ácido abiético. É o principal produto da destilação da resina, sendo uma importante matéria-prima natural para a indústria química. A colofónia é utilizada em diversos sectores de atividade como na produção de colas, tintas, vernizes, tintas de impressão, agentes de colagem para papel, borrachas, adesivos, ceras depilatórias, cosméticos, indústria farmacêutica e alimentar (pastilhas elásticas) entre outros.

Fonte: Resipinus


A cera de abelha, a sua hidrofobicidade e complexa composição:

A composição da cera de abelha é bastante complexa, sendo constituída por uma mistura de substâncias de carácter lipídico, e portanto bastante hidrofóbico. A composição da cera de abelha depende em parte das subespécies de Apis mellifera, da idade da cera, e das condições climáticas da sua produção. Esta variação ocorre principalmente na quantidade relativa dos diferentes componentes presentes do que na sua natureza. Esta mistura inclui hidrocarbonetos, ácidos gordos livres,  monoésteres, diésteres, triésteres, hidroximonoésteres, hidroxipoliésteres, monoésteres de ácidos gordos, poliésteres de ácidos gordos.

Fonte: A. Barros, F. Nunes, M. Costa, Manual de Boas Práticas na Produção de Cera de Abelha, Federação Nacional dos Apicultores de Portugal, 2009

Cera de Abelha para impermeabilização de materiais.