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Sobre a produção de mel na perspetiva da engª química: estatísticas, análise ao processo, e inovações recentes


Embora seja uma atividade humana extremamente antiga (remonta a 7000 A.C.), a apicultura tal como a conhecemos (colmeias com módulos de recolha de mel) remonta ao início do séc. XIX. Trata-se de uma atividade industrial do setor alimentar com um caráter especial, visto que dependente de aspetos naturais (vegetais e animais) complexos, e com constantes de tempo próprias.

Em Portugal, e de acordo com dados de 2003, a média anual de produção de mel ronda as 11 mil toneladas, 25 milhões de euros de faturação, e abrange 28 mil apicultores. Os vários tipos de mel produzidos (rosmaninho, laranjeira, eucalipto, girassol, urze, rosas, etc.) variam em função das características e localização geográfica das plantas de onde é extraído o néctar e dos tipos de abelhas produtoras. 

No Brasil, a produção em 2013 foi de 35 mil toneladas, o que valeu ao país a 12ª posição no ranking mundial de produção. Os estados brasileiros do Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais, têm-se destacado nesta atividade. 

No mundo, os principais produtores de mel no ano de 2013, eram a China (466 mil toneladas), União Europeia (204 mil), Turquia (95 mil), Argentina (80 mil) e Ucrânia (74 mil).


  • O processo do mel:
Quando analisado dp ponto de vista da engª química, a produção de mel é um fenómeno com particularidades processuais interessantes e originais, sobretudo se contrastadas com as configurações  industriais mais habituais na indústria química.

Operação Unitária - Se entendido como uma operação unitária, a produção de mel pode ser equiparada a um sistema reacional onde a colmeia é o reator, as abelhas são o catalisador (não se consomem durante o processo e determinam a sua ocorrência e velocidade) e o pólen/néctar são os reagentes.

Modo de operação - Enquanto processo, a produção de mel obedece a algumas especificidades, desde logo porque a entrada de matérias-prima (pólen/néctar) ocorre em contínuo, sofrendo oscilações ao longo do ano devido ao ciclo de desenvolvimento vegetal impostos pelas estações do ano, pelas pragas vegetais e animais, e outros fatores.

Depois, outra grande especificidade é que as abelhas funcionam como catalisadores móveis que ativamente garantem por elas a captação das matéria-primas necessárias fora do equipamento onde ocorre a reação, e as transportam para o local da "reação" (colmeia).

Finalmente, e não menos interessante, a saída de produto ocorre de modo descontínuo, em ciclos (batch), e, de acordo com o estado da arte, é intensiva de trabalho humano. Tipicamente, cabe ao apicultor proceder à recolha do mel, esvaziando a colmeia (tanque) e deixando-a novamente com margem para novo ciclo de produção. Assim, o processo é, na sua globalidade, semi-contínuo.




Capacidade de produção - Uma curiosidade do sistema de produção de mel reside no facto de que o processo é escalável só até determinado ponto. Uma colmeia pode crescer até contemplar várias dezenas de milhares de abelhas, mas a determinada altura atinge um equilíbrio de tamanho decorrente de limites naturais para o seu crescimento. Assim, qualquer aumento de capacidade de produção de abelhas são tipicamente regulados por uma lógica de number-up (replicação de escala)  do que por scale-up (aumento de escala). Assim, um apicultor profissional é aquele que acumula várias colmeias e não aquele que tem colmeias ordens de grandeza maiores que as dos pequenos produtores. É tudo uma questão de número de colmeias e não de tamanho por colmeia. 

Produtividade - Do ponto de vista da colmeia,  dados brasileiros referentes ao estado de Minas Gerais indicam que o estabelecimento de condições propícias pode permitir produtividades de 55 a 60 kg/colmeia/ano, as quais são praticamente o dobro da média observada nesse país (25 kg/colmeia/ano). Para ser produtiva, cada colmeia requer vários acres de área com floração.

Manutenção - De acordo com a literatura da especialidade, o processos de manutenção de cada colmeia, pode requerer até 14 h anuais de manutenção, podendo o valor ser reduzido em função da experiência do apicultor. 

Investimento e retorno - De acordo com a mesma fonte, para projetos que queiram estabelecer-se como de grande produção, o investimento poderá ascender a 6 mil dólares, e requererão cerca de 40 colmeias para conseguir recuperar o investimento inicial em até 3 anos. Já para pequena produçao, a mesma fonte refere um investimento de 500 dólares para um sistema de duas colmeias.

  • Inovações processuais na produção de mel
Finalmente, esforços recentes foram realizados no sentido de facilitar a manutenção e a recolha periódica do mel. A este respeito, tendo compreendido que o processo de abertura da colmeia (reator) constitui uma perturbação da dinâmica da colmeia e que o processo de recolha do mel é em si mesmo ineficiente, a empresa BeeInventive Pty Ltd. comercializa atualmente sistemas de recolha contínua do mel integrados com os favos e ligado à própria colmeia.

Trata-se uma inovação que abre caminho à produção contínua de mel, quer do lado das abelhas, quer do lado da recolha, coisa que durante dezenas de anos não aconteceu.