Teve lugar no passado dia 10 de
Setembro de 2018 uma edição do programa de Prós e Contras subordinado ao tema da
prospeção e exploração de Petróleo em Portugal, tema que está longe de ser
consensual na sociedade portuguesa e sobre o qual o debate está longe de ser pragmático e racional. Sem prejuízo do visionamento integral do programa através do
portal RTP Play, enunciam-se abaixo alguns dos pontos e reflexões lançados no decorrer do programa, cruzados com a forma como foram por mim entendidos:
· Embora o debate sobre a exploração do petróleo
em Portugal se possa discutir no plano de uma estratégia nacional para a economia ou ambiente, o teor e termos do contrato de prospeção assinado entre o Estado português e consórcio ENI/GALP mereceu muita atenção neste debate, fazendo pender a atenção e argumentação do plano geral (estratégia,
simbolismo do tema e interesse para o país) para o particular (o detalhe contratual) demasiadas vezes. Daqui se
retira que o interesse público em discutir assuntos fraturantes é não raras
vezes proporcional à ocorrência (ou suspeita) de um escândalo, acidente ou crime, sendo nesse
momento privilegiadamente discutido na ótica desse risco imediato e não tanto
na perspetiva global do que o suscitou ou daquilo que pretende simbolizar no cômputo geral.
· Em termos macro, a desejada extensão da plataforma continental detida por Portugal acarreta inexoravelmente um aumento dos recursos naturais ao cuidado do país, os
quais existem para ser preservados mas também para ser rentabilizados. Em todo o caso, quer
para os preservar como para os rentabilizar é preciso saber que recursos são esses e em que quantidades existem, coisa que custa dinheiro, tempo e trabalho a quem o faz. Por
este motivo, a prospeção de recursos fósseis é em si mesma uma atividade que, a ser
feita por privados, tem expectativa de ser remunerada/ compensada.
· A celebração de contratos de prospeção entre
empresas e o Estado parte da expetativa que a iniciativa vai ser compensadora
para ambos os lados. Ao que parece, o consócio ENI/GALP assinou um contrato com
a expectativa de vir a explorar os recursos que a sua atividade de prospeção
detete, advindo a compensação do esforço de prospeção (estão obrigado a comunicá-la integralmente ao Estado português) de ganhos de exploração futuros. Para o Estado, a
expectativa de compensação surja na forma de mais informação sobre os seus recursos naturais, mas também na forma de partilha de lucros, cobrança de
impostos, e intensificação da atividade económica em indústrias conexas com o
tema (naval, petroquímica, metalúrgica, consultoria, etc)
· Porém, cabe ao Estado português perceber também o que pode perder com a aceitação de um contrato de prospeção de recursos fósseis no seu território, sobretudo quando este tem expectativa de os explorar como contrapartida da descoberta (ou de ser indemnizado caso o consórcio seja impedido de explorar). O principal risco que é apontado é o risco ambiental, o qual pode desaguar num definhamento da atividade turística nacional ou da indústria das pescas. Em caso de ocorrência de um desastre ambiental associado à exploração oceânica, os prejuízos para o Estado podem superar em larga medida os ganhos.
· Por outro lado, a indústria e empresas do petróleo não granjeiam boa reputação na sociedade civil. Sabem-se
necessárias e indispensáveis, mas também poluidoras e pouco éticas. Como foi realçado
no programa, aquelas empresas que na designação clássica eram chamadas de petrolíferas,
são cada vez mais empresas de energia, que pretendem é ser competitivas
na produção e comercialização de recursos energéticos, seja fósseis ou não. De nada adianta, portanto, diabolizar a existência e atividade de empresas de energia, porque são necessárias e cumprem um papel central na manutenção do estilo de vida que todos conhecemos.
· Isto não invalida que, sendo corporações
poderosas (a GALP e a ENI não são exceção), estas entidades possam incorrer numa
imoral promiscuidade político-empresarial capaz de deixar desconfortáveis os
cidadãos quando, da distância aos centros de poder e decisão, detetam que
existe uma permuta de pessoas entre cargos políticos e cargos empresariais, com
elevado risco de conflito de interesses ou de falta de isenção na defesa dos
interesse do Estado. Este é um problema que muito merece atenção por parte da sociedade, porque não é suposto ser assim.
· Não obstante, é impossível branquear que uma entidade privada com fins
lucrativos que se proponha a fazer prospeção de recursos fósseis tenha de
acautelar o risco de não os encontrar com a remuneração quando os encontra. De
outro modo, com que lógica continuaria a existir no mercado da prospeção? O
lucro para a entidade privada vai ter de existir. Cabe ao Estado negociar o
contrato de forma a equilibrar a expectativa de lucro com os demais aspetos que
precisam de ser tidos em conta.
· Finalmente, mas longe de ser menos importante, Portugal é um dos signatários do acordo de Paris, e com ele comprometeu-se com a redução das
emissões de CO₂. Reduzir as emissões de CO₂ pode acontecer de várias formas, e
uma delas, é deixar de consumir carvão e passar a consumir
mais gás natural (recurso passível de ser encontrado na prospeção ENI/GALP). Claro que a redução de emissões
de CO₂ pode (e deve) ser conseguida à custa da transição para fontes de energia
renováveis, as quais permitirão transitar para uma economia verde e circular, como
mais saudável e sustentável. A pergunta a este nível é: quer Portugal passar a
ser um país produtor de recursos fósseis numa era em que a sociedade e o
planeta clamam por uma progressiva e estrutural desistência desses recursos?
Esta síntese não tem como objetivo
tomar partido na questão. A engenharia química tanto trabalha em torno de recursos fósseis como opera na transição para uma economia e energia renováveis e
verdes. Acima de tudo, a questão tem várias faces, e de pouco adianta simplificar
para mais facilmente partidarizar e emotivamente empolar os assuntos. O
ambiente existe e é hoje uma problemática mundial, mas também o é o futuro e saúde da economia portuguesa. A iniciativa privada capitalista é bem-vinda, e é
imperativo que seja acompanhada de probidade e idoneidade por parte daqueles
que, no Estado, têm a seu cargo acautelar os interesses do povo português. Ao cidadão comum, cabe sinalizar
que caminhos pretende para o seu país na forma de escolha ou contestação dos
seus líderes. A engenharia química, na parte que lhe compete, cá estará para
dar seguimento ao que se venha a decidir que merece avançar.
Editor do BEQ.