Alírio Rodrigues (AR) licenciou-se em Engenharia Química pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) em 1968.
Após um estágio em Angola na cervejaria CUCA e na refinaria de petróleo FINA ingressou no Departamento de Engenharia Química da Universidade de Luanda como Professor assistente. Em 1970 iniciou estudos de pós-graduação no Centre de Cinétique Physique et Chimique (CNRS) e ENSIC; em 1973 obteve seu Dr-Ing. graduação na Universidade de Nancy I, França na área de permuta iónica. Regressou à Universidade de Luanda em finais de 1973 e depois a Portugal em finais de 1975 ingressando por um curto período na Universidade de Évora e mais tarde em 1976 no Departamento de Engenharia Química da FEUP.
Criou um grupo de investigação que se tornou o Laboratório de Processos de Separação e Reação (LSRE), do qual foi diretor até 2012. Sob a sua liderança o LSRE criou um pólo no Instituto Politécnico de Braganaça (IPB) e obteve o estatuto de Laboratório Associado em parceria com o Laboratório de Catálise e Materiais (LCM).
Foi professor visitante na Université de Technologie de Compiègne (França), Universidade da Virginia (EUA), Universidade de Oviedo (Espanha), e Universidade Federal do Ceará (Brasil). Desde 2013 é Professor Emérito da Universidade do Porto.
A sua carreira profissional internacional teve passagens por Angola, França, Estados Unidos, Espanha, Brasil, às quais se somam décadas de atividade em Portugal. Que importância teve para si a experiência internacional?
AR: Conheci diferentes culturas. Aprendi a perceber diferentes comportamentos...como dizia um amigo meu da Argentina Hugo de Lasa, no tempo do doutoramento, “em boca fechada não entram moscas”. Hugo de Lasa saiu de Bahia Blanca no tempo da ditadura militar para ser professor na Universidade de Western Ontario em London, Canada (agora Western University).
Que país e culturas mais o impactaram como profissional de EQ? Dito de outra forma: a nacionalidade é importante quando o tema é exercer EQ? Porquê?
AR: As experiências tiveram lugar em períodos diferentes da minha vida. Angola no início foi para ter alguma experiência industrial enquanto não era chamado para o serviço militar (que na altura da guerra colonial em 1968 podia ir até 4 anos). Ao começar a dar aulas na Universidade de Luanda surgiu a possibilidade de fazer doutoramento em Nancy e adiar a “tropa” até aos 30 anos. Regressei a Angola, dei aulas, entrei na tropa e voltei a Portugal um mês antes da independência de Angola.
Depois de passagem breve pela Universidade de Évora em 1976 e ter feito a Agregação no IST regressei à FEUP.
As outras estadias em França ( UT Compiègne e LIMSI), U. Oviedo (Espanha), U. Virginia (USA), UFSC e UFC (Brasil), ICT (Mumbai), ECUST (China), TU Eindhoven (Holanda), Angola (cátedra UNITWIN da UNESCO) foram períodos sabáticos onde dei aulas, desenvolvi investigação, ou simplesmente fui dar cursos para estudantes de doutoramento na Holanda sobre Processos de Adsorção (TUE) muitas vezes com um amigo já falecido Piet Kerkhoff. Repetimos esse curso na UFSC e na UAN em Luanda.
Guardo boas recordações. A experiência americana foi marcante: eficiência (reuniões de 1 hora ao almoço com sandwich onde o “chair” informa o corpo docente da vida do departamento; aulas para 25 alunos que estão na sala quando o professor chega e a cultura de Seminários semanais com gente de ciência pura e dura até jornalistas científicos (ouvi falar de jojoba oil aí pela primeira vez em 1988) e nenhum docente ou aluno de pós-graduação falha um seminário...
Quando pensa em Engenharia Química qual é para si o país referência?
AR: Todos os países por onde andei têm bons nichos. Para quem procure formação é bom saber a área que quer aprofundar e procurar...sem barreiras.
A Holanda tem um aspeto interessante: existem grandes empresas na área de Engenharia Química como a Shell além de PME...e uma boa circulação entre academia e indústria.
Mas marcou-me a unidade piloto de captura de CO2 de flue gas duma power plant queimando carvão perto de Shangai por um estudante de doutoramento (Zhen Liu) que fez investigação um ano aqui no LSRE num PhD sandwich. Regressou à ECUST construiu esse piloto e operou uns 6 meses...Impressionou-me a rapidez com que a China evoluiu nesta área..
Quando pensa num bom profissional de EQ, qual é para si a competência distintiva que espera encontrar?
AR: Ter bases sólidas para poder entender os “sistemas” que opera, controla ou gere e saber comunicar (sem ser banha da cobra).
Uma fração importante dos seus trabalhos focou-se em temas de petroquímica e materiais de origem fóssil (xilenos, parafinas, flue gas, carvão). Porém, o que o levou a começar a trabalhar no tema dos perfumes?
AR: Algumas das aplicações que cita são da área da petroquímica mas não só. As 3 primeiras teses que orientei foram em remoção de fenóis de águas (Adsorção e Ambiente), Desnitrificação de águas em reator biológico de leito fluidizado (Ambiente e reatores biológicos) e Reatores híbridos combinando reação/adsorção e remoção de metais pesados com resinas complexantes (Intensificação de processos e Ambiente). Depois desenvolveram-se competências em Modelização e Simulação o que levou a várias teses em Método de Elementos Finitos Móveis, enfim muita água correu até que em 1997 creio a Doutora Vera Mata veio fazer um pos-doc. Ela queria ser empreendedora e criar uma empresa nessa área de Perfumes que me interessava. O importante é ter a pergunta certa: O que cheiramos quando temos uma mistura líquida com vários componentes? (para simplificar uma nota de topo, uma nota intermédia, uma nota de base e o solvente etanol). Deu muito gozo dar resposta de engenheiro químico a esta questão e poder prever para uma dada composição o que cheiramos,,,perceber a evaporação/difusão de perfumes, o rasto (trail ou sillage) do perfume, etc . Lembro de ter sido visitado ainda na FEUP antiga da Rua dos Bragas por dois investigadores da Givaudan que traziam os nossos artigos mas que julgo procuravam saber quem financiava a nossa pesquisa...Não acreditaram (creio) que fosse uma abordagem puramente académica.
E no tema da valorização de lignina?
AR: Em 1990 recebi um convite do Roberto Cunningham (que conhecia como autor dum livro de Reatores químicos do tempo de Nancy) e de Alberto Venica para participar num projeto CYTED de valorização da lenhina. A mim e a uma colega bioquímica do Uruguay Mary Lopretti cabia produzir vanilina a partir da lenhina. E na altura houve um candidato da UFPR de Curitiba (Álvaro Mathias) a quere vir fazer doutoramento. Foi a primeira tese na área...usámos lenhina obtida do licor kraft da fábrica de Cacia que na altura ainda processava madeira de pinho... Várias teses se seguiram até obter mesmo os cristais de vanilina...Lembro que num CHEMPOR em Coimbra o João Pereira que foi professor na UNICAMP (era do IST) me perguntou o que fazia e respondi (ele é que me recordou mais tarde): “transformo merda em vanilina”. Ganhámos algum reconhecimento nessa área numa altura em que ninguém falava em Biorefinaria ou Economia Circular...
O seu percurso académico ficará muito associado à tecnologia de leito móvel simulado (SMB), tendo inclusive publicado um livro abrangente dedicado ao tema (Simulated Moving Bed Technology: Principles, Design and Process Applications). Como evoluiu a sua relação com o tema da SMB: de ter achado inicialmente uma bright idea nos anos 70, como olha para a tecnologia e sucesso das suas aplicações atualmente? Considera-a uma tecnologia madura?
AR: Sim gostei da ideia na altura do meu doutoramento em Nancy. Depois tive a sorte de ao regressar ao Porto ter uma unidade PAREX na Fábrica de Aromáticos da Petrogal e do eng Lopes Vaz dessa empresa dar uma cadeira de opção de Refinação de Petróleos aos sábados de manhã na FEUP...Pedi para assistir a essas aulas e fui conhecendo mais detalhes...e dei aulas num curso noturno da FEUP onde alunos dos antigos Institutos Industriais podiam obter na FEUP diploma de engenheiro...Um desses alunos era o Eng Soares Mota já falecido que conhecia a PAREX. Depois em 1978 organizei um NATO ASI sobre Percolation Processes e um dos oradores convidados era da UOP- empresa que criou esses processos. Na visita feita à UOP conheci os inventores...estória longa que relato no livro que editei “Life stories”...Só entrei na pesquisa em SMB num projeto BRITE dirigido por Roger-Marc Nicoud da SEPAREX visando separações quirais para indústria farmacêutica (tese do Luís Pais do IPB). No fim do projeto criou a NOVASEP que foi leader de SMB para indústria farmacêutica e agora faz parte do grupo PharmaZell. Depois veio a separação de açucares (tese da Diana Azevedo da UFC) e Mirjana Minceva (agora na TUM) na separação de xilenos....Andei do “novo” para o “velho”...
Vejo a tecnologia de leito móvel simulado (SMB sigla do inglês) com potencial na área das biorefinarias...ou mesmo na separação de gases (todas as aplicações industriais existentes usam alimentações em fase líquida).
Em linhas gerais, em que consiste o conceito de Simulated Moving Bed Membrane Reactor (PermSMBR)? O que motivou o desenvolvimento desta tecnologia híbrida no seio do seu grupo de investigação?
AR: A tecnologia SMB foi inicialmente uma tecnologia de separação de misturas binárias ou pseudo-binárias; no processo PAREX pretende-se obter para-xileno e os outros isómeros menos retidos vão todos para a corrente de refinado.
Acontece que o adsorvente por vezes é também catalisador; então reação e separação podem ser feitas na mesma unidade com a vantagem de deslocar o equilíbrio termodinâmico por remoção seletiva dum dos produtos da reação. Isto é a base do SMBR patenteado na altura com Viviana Silva (agora Cargill) e vencedor do Solvay Ideas Challenge e IChemE award. ; a reação entre etanol e acetaldeído dava dietilacetal (um aditivo para o diesel)e água. O catalisador era uma resina ácida e seletiva para um dos produtos da reação- a água. Isto entra na área de Intensificação de processos. Esta investigação resultou da participação noutro projeto CYTED. Acontece que se pensou que se podia melhorar a remoção de água se o catalisador/adsorvente estivesse num tubo cuja parede fosse uma membrana permeável à água. Desse projeto com Carla Pereira (agora na ExxonMobil) e Viviana Siva que combina permeação em membranas com SMBR resulta a tecnologia de PermSMBR (vencedor do PSE Model-based Innovation Prize).