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Sobre a "Fábrica Real de Papel e de Tinturaria do Sá" (Vizela, 1805), e o controverso epíteto de primeira no mundo a produzir papel a partir de massa de madeira

 

Imagem ficcionada gerada por AI (Aplicação Copilot).

A Fábrica Real de Papel e de Tinturaria do Sá, instalada no Sítio da Cascalheira, na Quinta denominada de Sá, margem esquerda do rio Vizela, próximo das Caldas de Vizela, foi fundada em 1804 por uma sociedade de sete acccionistas, entre os quais pontificavam Francisco Joaquim Moreira de Sá, o proprietário da referida Quinta e o técnico inglês Thomas Bishop que irá desempenhar as funções de diretor técnico. No entando, segundo informa o respetivo registo notarial, à data da constituição desta Sociedade a fábrica já estava estabelecida. Instituída por Alvará de 24 de Janeiro de 1805, constituiu uma outra unidade industrial do Noroeste do país que irá cessar a sua recém-iniciada actividade e desaparecer no contexto das invasões napoleónicas. Este empreendimento beneficiava de um privilégio exclusivo por um período de 25 anos, e apresentava uma característica extremamente importante, pois era a primeira fábrica, ou uma das primeiras a nível mundial, a produzir industrialmente papel utilizando matérias-primas lenhosas.

Sabendo-se que até então o único processo conhecido para o fabrico do papel era através da utilização do trapo, o anúncio de uma fábrica estabelecida com o intuito expresso de fabricar papel com "massa de madeira" não deixa de constituir uma importante inovação tecnológica, ela própria resultado do conjunto de inovações proporcionadas pela revolução industrial. Pensa-se que, não obstante o próprio Moreira de Sá ter vindo a efectuar ensaios  de fabrico de papel com base em matéria lenhosa desde 1797, terá sido a vinda em 1802 do técnico inglês Thomas Bishop - por interferência do Conde da Barca, que na época exercia em Londres funções diplomáticas - para dirigir a parte técnica da fábrica, que contribuiu para que, muito provavelmente, tivesse sido a fábrica da Cascalheira a primeira do mundo a produzir papel com matéria-prima lenhosa. Embora também neste exemplo não se conheça com rigor como cessou a sua laboração, esta decorreu das convulsões político-sociais desencadeadas pelas invasões napoleónicas as quais, logo em 1808 ou, segundo alguns autores, pouco tempo depois, provocaram a sua destruição, não voltando a mesma a trabalhar. 

Fonte: José Manuel Lopes Cordeiro – Um Século de Indústria no Norte 1834/1933 O Génio dos Engenhos, Associação Industrial Portuense, 1999 (Livro).

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Quase quatro décadas antes da invenção oficial da pasta de madeira em 1840 por Friedrich Gottlob Keller, Francisco Joaquim Moreira de Sá empreendeu uma fábrica na quinta da Cascalheira, na margem esquerda do rio Vizela, que em 1802 produziu o primeiro papel com recurso a material lenhoso como matéria prima. 

O empreendimento deste vizelense perdeu-se no tempo e raramente aparece registado nas versões oficiais da história mundial da produção de papel, contudo terá sido a primeira indústria no mundo a produzir papel a partir de massa de madeira. Infelizmente as invasões francesas e o contexto político da época ditaram o encerramento da fábrica mesmo antes de entrar em plena laboração.

(...) Toda a região do Ave, com especial incidência no Vale do Vizela, foi um importante centro de produção de papel e, do mesmo modo que as fábricas de papel se instalaram adaptando moinhos de cereais para produção de papel, no arranque do século XX foram as indústrias têxteis, que ainda hoje são reconhecidas na região, que se instalaram em antigas fábricas de papel. 

(...) Francisco Joaquim Moreira de Sá preparava a construção da fábrica desde pelo menos 1798 e que, conforme se verificará mais à frente, em 1802 une-se a Thomaz Bishop para tão grandioso empreendimento. Conforme ditam os documentos assinados pelo Príncipe regente a invenção da produção de papel sem recurso ao trapo é da autoria de Thomaz Bishop, é por isso justo questionar se em 1798 Francisco Joaquim Moreira de Sá já planeava produzir papel sem utilização do trapo. O autor Rui Moreira de Sá e Guerra na sua publicação “A Prioridade do Fabrico de Papel com Pasta de Madeira na Quinta de Sá” conclui que desde pelo menos 1797 Francisco J. Moreira de Sá procurava soluções alternativas ao trapo para produção de papel e que a associação a Thomaz Bishop foi uma combinação de interesses comuns.

(...) Diante destas conclusões pergunta-se como foi que Francisco J. Moreira de Sá e o inglês Thomaz Bishop chegaram ao conhecimento um do outro. Para esta questão também Rui Moreira de Sá e Guerra encontrou explicação. A primeira esposa de Francisco J. Moreira de Sá era parente afastada do Conde da Barca, António de Araújo Azevedo, diplomata por várias vezes representante do reino português em momentos marcantes da História da Europa. (...) António de Araújo Azevedo era um homem de letras e ciência apaixonado pela industrialização. Segundo a Revista de História e Ideias volume 10 de 1988 em texto de Joaquim Pintassilgo “A Revolução Francesa na Perspectiva de um Diplomata”, desde Junho de 1789 António de Araújo Azevedo passa a percorrer atentamente a Inglaterra deslumbrado com as realizações industriais, numa época em que a Revolução Industrial estava no seu arranque. 

Conde da Barca, entusiasta dos progressos da revolução industrial.

(...) É possível que António de Araújo e Azevedo tenha sido mais do que um simples elo de ligação entre Thomaz Bishop e Moreira de Sá, pode ter sido o impulsionador do empreendimento que viria a nascer em Vizela, assim como também pode ter sido determinante para o seu arrasamento pelas tropas francesas em 1808. Durante a sua carreira diplomática entre 1795 e 1797 tentou negociar um tratado de paz com a França o que se revelou inconsequente.

(...) A sociedade tomou a designação de Ferraz Costa Fortuna e Companhia e como vimos não estaria apenas vocacionada para o fabrico de papel, pois ela também era de tinturaria. A escritura não clarifica se a tinturaria se iria dedicar ao tingimento de papel ou tecidos mas transparece que seria uma actividade distinta da do papel, pelo que deveria ser de tecidos. A ser assim Francisco Joaquim Moreira de Sá além de ser pioneiro no fabrico de papel com massa de madeira, também terá criado uma das primeiras tinturarias de tecidos. A fábrica de papel da Cascalheira não viria a ser construída na totalidade. Em 1808 sucumbiu às invasões francesas e o seu erector e António de Araújo e Azevedo acompanharam a Coroa portuguesa na fuga para o Brasil. Thomaz Bishop refugiou-se na América do Norte. 

Fonte: Constantino Pereira Martins, (Para Uma) Poética da Água, (ed.), 2021, FJA