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Entrevista BEQ a André Vilelas, diretor de comissionamento e arranque do projeto Alba, um investimento de 700 milhões de € da Repsol em Sines (04/2024)





André Vilelas (AV) é engenheiro químico (Faculdade Ciências e Tecnologia da Univ. Nova de Lisboa, 2002), e complementou a sua formação com uma pós-graduação em Engenharia de Sistemas de Processos Químicos (Instituto Superior Técnico, 2005) e com um programa de management avançado (ESADE, 2014). O seu percurso profissional permitiu-lhe passar por empresas como Colgate Palmolive, Fima, Galp Energia, Central de Cervejas, Cimpor, Borealis e Repsol. Estando vinculado a esta última há quase 2 décadas, em setembro de 2023 assumiu funções de diretor de comissionamento e arranque do projeto Alba, um enorme investimento e expansão de capacidade produtiva na área de polímeros, localizada no complexo Industrial de Sines da Repsol. Por fim, André é Coordenador do Pólo de Sines da Ordem dos Engenheiros e da Delegação Distrital de Setúbal, que iniciará atividades no decorrer de 2024.


André, para quem possa estar mais distraído, pode explicar em que consiste o Sines Alba Project liderado pela Repsol?

AV: O projeto Alba da Repsol consiste na construção de duas novas fábricas no Complexo Industrial de Sines da Repsol bem como a expansão da atual plataforma logística de expedição de polímeros e a adequação das instalações existentes nas áreas de armazenamento de matérias-primas, utilidades e área elétrica.

As duas novas unidades introduzem em Portugal dois produtos de elevado valor acrescentado e 100% recicláveis. São eles o polipropileno (PP) e o polietileno linear de baixa densidade (PEL), polímeros derivados do propileno e etileno, respetivamente.

Ambas com uma capacidade nominal de 300 000 toneladas por ano, estas fábricas aumentarão em 60% o portfolio de poliolefinas da Repsol no mercado nacional e internacional. São fábricas com tecnologia de ponta “best in class” de máxima eficiência energética e que permitirão à Repsol reforçar a sua posição no mercado das aplicações altamente especializadas dos materiais poliméricos para as indústrias farmacêutica, alimentar e automóvel.

Este projeto é uma clara aposta na área industrial da Repsol na Península Ibérica e nomeadamente em Portugal, no âmbito do seu plano estratégico de transformação industrial, que permitirá a diversificação e integração dentro do grupo dos complexos industriais de Sines, Tarragona, Puertollano e Corunha através da otimização e balanceamento de correntes excedentárias/deficitárias entre os diversos sites bem como da logística de expedição de polímeros através da Península para o norte da Europa e do Porto de Sines para todo o mundo.

Em grandes números, o que é que este projeto de interesse nacional implica para o país? 

AV: O impacto do projeto Alba para Portugal pode ser analisados em duas vertentes. Numa primeira fase, durante a fase de construção das novas unidades, espera-se uma média de 550 pessoas podendo atingir-se um pico de mais de 1000 postos de trabalho altamente especializado, nas diversas áreas de construção, mecânica, instrumentação, processo entre outros.

Numa segunda fase, durante a fase de exploração, o “novo” complexo industrial de Sines da Repsol terá um aumento líquido de 75 postos de trabalho diretos e altamente qualificados e mais de 300 indiretos, fortemente especializados. 

Em velocidade cruzeiro, este investimento terá um impacto direto na balança comercial de bens portuguesa muito próximo dos 800 milhões de euros.

Complexo Industrial de Sines da Repsol

Considera que o país tem noção da dimensão que o Alba e a Repsol trarão para a economia e indústria nacional?

AV: Portugal encontra-se neste momento numa fase muito positiva de atração, concetualização e planificação de grandes projetos, muitos deles em Sines. Nessa vertente a AICEP tem feito um trabalho notável.

Se analisarmos a uma escala regional, de 49 projetos PIN a nível nacional, o distrito de Setúbal conta com 34 projetos de interesse nacional nos diversos concelhos sendo que Sines, pela sua vertente de cluster industrial, lidera com um volume de investimento superior a 22 000 milhões de euros.

Com o projeto ALBA, e outros investimentos em curso bem como em carteira, a Repsol contribui com cerca de 1000 milhões de euros para essa lista nos próximos anos. Portugal tem noção clara da importância da Repsol pós-Alba e da aposta que a empresa está a fazer no país, já que o pipeline de investimentos em análise no plano estratégico da Repsol tem projetos para lá de 2030.

A Repsol, como companhia energética global, oferece soluções nas mais diversas áreas aos seus clientes e Portugal tem condições excecionais para o desenvolvimento de projetos no setor energético. Estamos em contato permanente com as entidades governamentais e com os diversos setores económicos no sentido de encontrar soluções e sinergias que possam convergir em projetos win-win para Repsol e para a sociedade.

Focando mais especificamente na área que lidera, que prós e contras tem a localização de Sines para o comissionamento de equipamentos industriais gigantes, como o reator 19-R-4001 ou o tanque esférico 26-D-6802 de que deu nota pública nos últimos meses?


AV: Sines é um cluster industrial de excelência.

A decisão na década de 70 de fazer de Sines um complexo portuário e industrial foi um marco chave na história do nosso país. Se olharmos para trás e para as razões que levaram a esta decisão, a intenção de dotar Portugal de autonomia em setores fundamentais como a energia e a transformação de matérias-primas de base, encontramos hoje, passados 50 anos, pontos comuns. À época, eram opções Alcochete, Sines, Setúbal e até Sagres. Optou-se por Sines devido às águas profundas que detém, fundamental para a atracação de navios de grande calado, à favorável orientação do litoral e à própria localização geográfica do cabo.

Focando o transporte de grandes equipamentos, num mercado global, o Porto de Sines é fundamental. Para um projeto como o ALBA, os equipamentos têm as mais diversas origens no globo. O reator da fábrica de PEL, o 19-R-4001, como exemplo, foi construído na Índia. Muitos outros equipamentos vêm da Coreia do Sul, China, Egipto, Turquia, Itália… e é da maior importância ter uma capacidade logística para gerir este tipo de cargas, quer seja o transporte marítimo até Sines como a movimentação desses mesmos equipamentos por via terrestre até ao local final de instalação.

Pela natureza industrial do complexo portuário-industrial de Sines, a infraestrutura existente já está preparada e existe know-how local para este tipo de operações. Apesar disso, são operações de enorme complexidade e que requerem preparação, planificação e uma execução sem falhas. Transportar um equipamento com mais de 400 toneladas, com um diâmetro de 9 metros e 40 metros de comprimento entre o Porto de Sines e a Repsol implicou o corte de estradas, a desmontagem de pórticos e até o levantamento de linhas elétricas de alta tensão em carga.

No caso da esfera 26-D-6802, apesar da geometria esférica, o processo é mais simples já que a construção e montagem é feita no local de implantação. Após o design e projeto mecânico, as chapas curvas construídas com elevada precisão, são transportadas para o local e depois montadas e soldadas de forma sequencial, como de se um “lego” se tratasse, até se atingir a esfericidade total.


Reator 19-R-4001, com 445 toneladas, 40m de altura e 9 m de diâmetro.


Esta expansão da Repsol em Sines é a principal oportunidade industrial que antevê para a próxima década em Portugal? Ou perspetiva outras, como o hidrogénio verde, por exemplo?

AV: Tal como referido anteriormente, Sines possui uma variedade de projetos PIN em fase de desenvolvimento e construção neste momento.

Também a Repsol, no âmbito do projeto ALBA, produzirá hidrogénio verde via eletrólise, mas a uma pequena escala já que para a produção de PP e PEL, o hidrogénio funciona apenas como agente terminador de cadeia polimérica na reação química de polimerização. O eletrolisador da Repsol terá uma capacidade de 5MW.

A produção de hidrogénio verde em larga escala em Sines desenvolver-se-á exponencialmente por um conjunto de projetos já anunciados.

O consórcio da MadoquaPower2X prevê a construção de uma unidade industrial com produção de 300 000 toneladas de amónia verde e 50 000 toneladas de H2 verde através do processo de eletrólise com uma capacidade de 500 MW numa primeira fase e atingindo 1 GW numa segunda fase para obter 150 000 toneladas de H2 verde.

A Iberdrola anunciou para Sines também uma unidade industrial para a produção de amónia verde com 137 MW de eletrólise para produção de hidrogénio verde. 

A Galp tem já em curso, em paralelo com o projeto de biocombustíveis avançados, o seu projeto de hidrogénio verde com uma capacidade anunciada de 100 MW de eletrólise e uma produção anual de 15 000 toneladas de H2 verde.

Já o projeto H2Sines.Rdam, que previa a produção e exportação de H2 verde na fase líquida foi cancelado recentemente por ser economicamente inviável, de acordo com os promotores. Ao contrário dos projetos anteriores, que trabalham na fase gasosa, a tecnologia existente para liquefação e transporte de hidrogénio em fase líquida desde Sines para Roterdão ainda acarreta um elevado custo energético dada a natureza singular da molécula de hidrogénio.  Recordemos que, à pressão atmosférica o hidrogénio tem uma temperatura de equilíbrio de -253ºC e… a pressão crítica é de 12 bar(g), isto é, acima desta pressão a molécula está em condições supercríticas.

Essa é a razão principal que os projetos de H2 verde estejam associados à amónia, metanol ou e-fuels que funcionam basicamente como um hydrogen carrier, evitando o custo energético de liquefação do hidrogénio puro.

Num país onde existe uma exposição solar muito acima da média europeia, os projetos de hidrogénio verde na fase gás apresentam possibilidades de crescimento relevantes pois, além do autoconsumo pelos produtores anunciados, existe ainda a possibilidade de injeção na rede nacional de transporte de gás (RNTG). A REN lidera o projeto H2 Green Valley em Sines, que alinhado com a Estratégia Nacional para o Hidrogénio, determina uma meta de incorporação de H2 na rede de gás natural entre 10-15% em 2030.

A sua carreira profissional fê-lo concentrar-se no Pólo Industrial de Sines. Que opinião tem da evolução deste pólo industrial? É expectável imaginar Sines a atingir o dobro ou triplo da capacidade produtiva na área da indústria química ou da energia?

AV: Sim claramente. Eu pessoalmente trabalho em Sines desde 2003. Nestes 21 anos tenho assistido a uma transformação do Polo Industrial de Sines.

Destacaria dois períodos distintos.

O primeiro, associado à crise financeira de 2008 e que afetou a indústria química no geral pelo impacto que teve no custo das matérias-primas. Os anos de 2009 a 2012 foram particularmente difíceis porque a recuperação da crise foi lenta, a procura por produtos petroquímicos baixou e os mercados emergentes do Médio Oriente cresciam a uma velocidade impressionante. Contudo, foi nesse período que a Galp em Sines construiu e arrancou, em 2013, o seu complexo de hydrocracking que foi um marco de crescimento muito importante para Sines e para o país, com o aumento da produção de gasóleo em detrimento de fuelóleo.

Em 2013 na Repsol fizemos uma alteração de estratégia que foi fundamental para ultrapassar os efeitos da crise, que marca o início do segundo período.

Mudámos o feedstock mix ao Steam Cracker e passámos a processar 40-50% de LPG como matéria-prima e conseguimos baixar os custos de produção dos monómeros etileno e propileno, melhorando a viabilidade da produção de poliolefinas a partir de Sines. À data eu era o chefe de fábrica do Steam Cracker e esse período foi tecnicamente muito desafiante e complexo. Mudámos as condições operatórias de toda a unidade, redefinimos uma logística otimizada de forma a conseguir importar mais de 400 000 toneladas de propano e butano, essencialmente propano oriundo dos EUA. Esse foi o nosso programa de recuperação e resiliência em 2013!

Pela rapidez com que fizemos esse shift e nos transformamos enquanto pessoas e equipas, o que permitiu colocar o Complexo de Sines da Repsol como um site viável e exportador nos anos seguintes mostrámos, e demonstrámos, ao nosso board que Sines acreditava em si mesmo e que tinha potencial, o que levou mais tarde à decisão de fazer crescer Sines com a aprovação do projeto ALBA, onde estamos hoje. 

Chegado a 2024, é com enorme orgulho que olho para Sines como um cluster industrial ativo e em crescimento nas mais diversas áreas.



Enquanto profissional o que mais o motiva para operar na área das olefinas/poliolefinas?


AV: Desde que entrei no curso de Engenharia Química que tive a oportunidade de conhecer e trabalhar alguns setores e processos industriais. Logicamente que ao trabalhar mais de 20 anos na indústria petroquímica, 18 dos quais na área de olefinas e 3 na área de poliolefinas, me influencia diretamente a opinião. 

A área de olefinas, nomeadamente o processo de steam cracking, para um amante de termodinâmica e destilação, como é o meu caso particular, é como viver no paraíso. Além disso, são processos que possuem todas as operações unitárias que aprendemos no curso, o intervalo de temperaturas na unidade vai dos 1100ºC até aos -150ºC, a dinâmica dos processos, a otimização com a sua não-linearidade associada e acima de tudo, o impacto que apenas 1ºC na temperatura de cracking de uma nafta ou do propano tem na distribuição final de produtos e na dinâmica dos mercados de exportação são fatores que me fascinam.

Em 2021 quis e tive a oportunidade de conhecer a área de poliolefinas, o meu “cliente interno” de uma vida. Aí os processos são diferentes, mais dinâmicos ainda, liderados pela cinética química de polimerização e em que o cliente final, os transformadores de polímeros, têm uma palavra a dizer numa base diária. Já não se tratam de commodities mas sim produtos, grades diferentes do mesmo polímero, com inúmeras aplicações. Neste mundo manda a reologia.

Em 2023 fui nomeado para liderar o Comissionamento e Arranque de todas as instalações associadas ao projeto ALBA da Repsol, o que me motiva diariamente, pois apesar de ser uma tarefa hercúlea é ao mesmo tempo desafiante e enriquecedora, a qual, na carreira profissional de um engenheiro químico, poucos têm a oportunidade de viver, que é “dar vida” a duas fábricas novas construídas do zero.

Como explicaria a um cidadão comum ou uma criança muito curiosa o que é e para que serve um Steam Cracker?


AV: Já tive esse desafio quando tive de explicar aos meus filhos o que é que o pai fazia na Repsol.

Um Steam Cracker é uma unidade industrial complexa onde, através de processo térmicos, isto é, a muito alta temperatura entre 800-900ºC, se partem (craqueam ou “crackam” na nossa gíria interna…) vários produtos e/ou misturas destes muito compridos (moléculas e/ou misturas de cadeias longas de carbono) em outros produtos, mais pequenos (de cadeias curtas de carbono), com maior valor económico e com aplicações diretas para o dia a dia das pessoas nas suas casas.

Se forem muito pequeninos… imaginem uma pulseira de 100 contas, que é o produto comprido. Imaginem agora que aquecemos a pulseira a 850ºC e daí resultam uma série de tamanhos diferentes, mas mais pequenos e que podem variar de 1 conta a 10 contas cada uma. A grande maioria, cerca de 50%, sairá com 2 e 3 contas… seria o etileno e o propileno!





Tendo em conta que já desempenhou várias funções profissionais - Process Engineer, Project Manager, Production Manager, e agora de Comissioning and Startup Manager - o que une e separa em termos de competências técnicas de EQ estas funções? E em termos das chamadas softskills?


AV: Um profissional de excelência, em qualquer área, tem de ser competente tanto em hardskills como em softskills.

As competências técnicas iniciam-se na escola primária! E vão-se consolidando até ao final do curso universitário. Se pensarmos nos Engenheiros Químicos, a matemática, a química, a física e depois mais tarde as matérias de especialidade de engenharia química como as operações unitárias e processos de separação, a termodinâmica, laboratórios e experimentação, reatores químicos e catálise, controlo de processos, gestão da produção e otimização de processos.

Contudo, só na cadeira de Projeto e/ou Dissertação se inicia a consolidação da formação de um engenheiro químico. É neste momento que, perante um projeto ou um desafio científico, tecnológico ou de gestão, o futuro engenheiro tem a oportunidade de agregar toda uma série de tópicos e matérias que aprendeu durante 4 anos de forma quase independente.

Ainda assim, a universidade dá-nos as bases das competências técnicas já que na vida profissional, cada setor da indústria/serviços/academia associada à engenharia química tem as suas especificidades. Gosto de pensar e digo-o regularmente às minhas equipas que um engenheiro aprende a vida toda. Se não pensarmos assim, estagnamos tecnologicamente.

Os softskills, numa sociedade em constante movimento e cada vez mais exigente, são hoje mais que nunca diferenciadoras. Hoje é muito comum falar-se em liderança e exigir capacidades de liderança a um engenheiro recém-formado. Não corroboro essa exigência como fundamental no início de carreira. Liderança pode ser uma skill inata em muitas pessoas, mas em organizações complexas essa característica conquista-se, pelo exemplo, pela demonstração em pequenos projetos e tarefas que vão aumentando a sua complexidade no percurso profissional.

Ética e brio profissional são para mim os fatores chave e os softskills críticos num engenheiro.

Trabalho em equipa, resolução de problemas, capacidade de adaptação, colaboração e comunicação eficaz são exigências num profissional de topo. Organização, flexibilidade, resiliência e capacidade de trabalho sob pressão, associados a todos os anteriores fazem de um engenheiro…um Líder!

Quando pensa num bom profissional de EQ, qual é para si a competência distintiva que espera encontrar?

AV: Ética e profissionalismo associadas à humildade de querer aprender.

Tendo tido a oportunidade de testemunhar a evolução do setor petroquímico e químico em Portugal, quais as principais transformações na atividade nas últimas décadas?

AV: Portugal e os diferentes governos entenderam na última década que um país que vivia essencialmente de serviços e cuja atividade industrial tinha pouca expressão à escala europeia não se desenvolve e não cresce.

Se analisarmos os dados da Pordata, por exemplo, vemos que de 1996 a 2011 o saldo da balança comercial nacional era negativo, em média, em 12 000 milhões de euros. A partir de 2010, após a crise financeira mundial, Portugal entrou numa ascendente tendo atingido o breakeven em 2012. 

Com a crise do Covid-19, o saldo entre 2020 e 2022 foi negativo, algo que foi comum a diversos países da União Europeia. Recuperamos em 2023 e esperemos que assim continue doravante.

O setor da química, petroquímica e refinação, de acordo com a APQuímica, tem um volume de negócios superior a 11 000 milhões de euros, cerca de 2 milhões de valor acrescentado bruto e corresponde a mais de 12% do total das exportações nacionais. Exporta para mais de 180 países, emprega mais de 52 000 pessoas, entre diretos e indiretos e é o segundo setor da economia com maior número de empresas  envolvidas em atividades de inovação (70%).  

Se associarmos a estes números, os projetos PIN e outros que se encontram em desenvolvimento e implementação, demonstra-se facilmente que o setor está vivo e a crescer. O investimento industrial é aquele que garante empregabilidade de qualidade e remuneração acima da média nacional e tem um papel fundamental na evolução do saldo da balança comercial portuguesa. O projeto ALBA da Repsol e muitos outros em Sines são o reflexo disso mesmo. Mesmo na descarbonização e no roteiro nacional de atingirmos a neutralidade carbónica em 2050, o papel da indústria é fundamental pois o CAPEX associado só é possível com o compromisso e capacidade inovadora e financeira das próprias empresas associada à criação de valor da sua atividade.




O André está ligado à iminente abertura da delegação distrital de Setúbal da Ordem dos Engenheiros. O que motivou a abertura desta delegação? Que planos tem para esta nova delegação?

AV: A Ordem dos Engenheiros (OE) desde há alguns anos que apostou na descentralização e cobertura do território nacional, com a abertura de Delegações Distritais nas capitais de distrito do país.

No caso particular da Região Sul da OE (OERS), esta diversificação do território não estava completa. Existem Delegações Distritais em Faro, Portalegre, Évora, Santarém e muito recentemente em Beja.
 
Por não ser uma capital de distrito, mas por existir uma densidade elevada de engenheiros, de todas as áreas, na zona do cluster industrial de Sines, decidiu a OERS abrir um Pólo em Sines. Fui desafiado então pela OERS a liderar esse projeto e abrimos o Pólo há cerca de 1 ano e está a ter muito sucesso. Havia claramente um gap na zona e esta aproximação da nossa ordem profissional aos profissionais de engenharia que trabalham diariamente no entorno de Sines, 

Santiago do Cacém e Odemira. Estamos com um plano de atividades robusto e estamos a fazer o nosso caminho.

Em Outubro de 2023, nas comemorações do Dia Distrital do Engenheiro do Algarve 2023, o presidente do Conselho Diretivo da OERS lançou-me mais um desafio: liderar a comissão instaladora da nova Delegação Distrital de Setúbal.

Com a recente abertura da DD Beja e com a de Setúbal, a OERS passa a cobrir todas as capitais de distrito da Região Sul e a Ordem dos Engenheiros passa a estar presente em todo o território nacional.

A Delegação Distrital de Setúbal passará a ser a maior do país com mais de 4400 membros ativos.
 
O distrito de Setúbal é extenso e possui 13 municípios e 55 freguesias para uma população de quase 900000 habitantes.

Possui a atividade industrial mais relevante do país, onde se concentra desde a indústria química (petroquímica, refinadora, outras), siderurgia, papel, cimenteira, agroalimentar ao setor automóvel e muitos outros.

A distribuição por setor de atividade das empresas de Setúbal também apresenta uma elevada dispersão, com 43% das empresas a atuar no setor de serviços, que contabilizam apenas 10% do volume total de negócios do distrito. Os setores em destaque são a indústria, que apesar de representar apenas 10% do total de empresas de Setúbal, lidera em volume de negócios, com 38% do total, e os setores denominados como "Outros"; (28%), que totalizam 37% da faturação global. Este dado demonstra que os setores menos tradicionais na análise são muito relevantes para a economia de Setúbal.  

Assim, queremos com a nova DD Setúbal realçar a importância do distrito no tecido económico nacional e reforçar a aproximação da OE aos membros locais, através de atividades de índole técnica, dando a conhecer os diversos setores da economia onde os engenheiros atuam bem como de caráter lúdico, reforçando o networking e a partilha de experiências entre os membros.

Um dos fatores chave é a existência dos polos universitários nas áreas de Engenharia como a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e o Instituto Politécnico de Setúbal através das Escolas Superiores de Tecnologia de Setúbal e do Barreiro, o que permite reforçar a ligação da Academia aos diversos setores económicos e levar a OE aos estudantes de engenharia, mostrando-lhes a mais valia de pertencerem a uma ordem profissional de prestígio e que é garantia de qualidade no ensino e no curso da atividade no mercado de trabalho.

Como avalia a visibilidade da profissão de EQ na sociedade portuguesa?

AV: A visibilidade da profissão de Engenheiro Químico tem vindo a melhorar de uma forma muito positiva. Contudo ainda hoje existe um pouco uma imagem menos positiva da palavra “Química” na população em geral, muitas vezes associada, por desconhecimento, à poluição ou a um certo negativismo dos “químicos”, que são fundamentais para o nosso dia-a-dia e que, sem os quais, não seriamos a sociedade como a conhecemos e vivemos. 

Aqueles que lidam com os EQ sabem e reconhecem a versatilidade destes na profissão de engenheiro.

Os engenheiros na generalidade são muitas vezes considerados excelentes técnicos, mas maus comerciais, sendo a “venda da imagem” um fator a claramente a melhorar, provavelmente uma softskill a desenvolver e que deve começar desde logo na universidade.

É assim fundamental “educar” a sociedade sobre a profissão de Engenheiro(a) Químico(a), dando a conhecer e apostando em ações de divulgação e atividades diversas nas escolas, logo desde tenra idade até ao secundário. Tanto o setor empresarial como a Academia e a Ordem dos Engenheiros têm aí um papel fundamental. Nunca o lema “Juntos somos mais fortes” fez tanto sentido.



Que mensagem deixaria para os potenciais estudantes e/ou jovens profissionais de EQ? Vale a pena exercer EQ em Portugal no século XXI?

AV: O século XXI e a nossa sociedade em geral tem desafios e exigências que só são possíveis resolver com os futuros profissionais de EQ.

Quer-se uma sociedade eficiente, descarbonizada, reduzida ou até livre de combustíveis fósseis, de plásticos, maximizada de energias renováveis, sem exploração de recursos naturais, mas ao mesmo tempo exige-se que essa mesma sociedade seja moderna, cosmopolita, interligada a nível global e onde tudo se obtém à distância de um clique… muitos destes objetivos são impossíveis de compatibilizar pois exige uma mudança de paradigma por parte das pessoas, de todos nós como indivíduos, sobre comportamentos e formas de estar e viver que ninguém está disposto a abdicar. Seria voltar séculos atrás…

Contudo é possível otimizar e conjugar esses dois mundos e aí os Engenheiros Químicos têm um papel fundamental. Mais preparados que nunca e com a acesso a informação digital como não era possível há poucas décadas, estes profissionais são a chave do futuro. Basta querer e ter vontade.

Em Portugal, o EQ do século XXI tem de ser… engenheiro! Tem de fazer, ser ativo, participar, discordar e pôr em causa o status-quo, apresentar soluções e…voltar a repetir o ciclo. O
inconformismo é o ADN de um engenheiro químico pois… sempre se pode fazer melhor! Esta
mesma mensagem deixei na celebração do Dia do Departamento de EQ do IST, em 4 de Julho
de 2023 na Academia de Ciências, onde a convite do DEQ, participei numa mesa redonda, com
outros colegas da indústria, para discutir o Engenheiro Químico do Futuro.

Que livro, filme ou documentário recomendaria à comunidade de profissionais de EQ? Por que motivo o recomenda?

AV: Se me é permitido, recomendaria dois elementos e por razões totalmente distintas. Porque “me acompanhou” durante o meu percurso académico e profissional, e como homenagem após o seu falecimento em 2021, o Professor Hugh Scott Fogler foi o autor do livro “Elements of Chemical Reaction Engineering” da Prentice Hall. Este é um livro que ainda hoje, nem que seja por mera descontração intelectual, me dá prazer folhear e recordar. Recomendo a toda a comunidade de EQ amantes de reatores químicos e cinética, nomeadamente alunos de EQ.

O livro que consulto agora regularmente nas minhas funções atuais é o “Chemical and Process Plant Commissioning Handbook” cujo autor é o Martin Killcross e publicado pela Butterworth- Heinemann. É uma abordagem fenomenal e devidamente organizada nas atividades de comissionamento de projetos industriais. Recomendo a todos os colegas que trabalham na área de projeto e comissionamento na indústria.

* * * 

O BEQ agradece publicamente a André Vilelas pela disponibilidade de ser entrevistado e a prontidão com que respondeu ao convite. Entrevista realizada em Abril de 2024.