Search Suggest

Sobre o surgimento de fármacos à base canábis, a complexidade química da planta, e a diferença entre purificar ou não os seus componentes



Um dos temas quentes nos EUA, com consequente contágio no resto do mundo, é o da legalização da planta canábis (maconha, no Brasil) para fins médicos e/ou recreativos. Mais do que uma questão política, o tema está também vivo na comunidade científica e industrial (farmacêutica, cosmética, nutracêutica, etc).

As figuras abaixo comprovam a aceleração nas publicações científicas desde o início do século XXI. Das publicações científicas existente sobre o tema, estas inserem-se maioritariamente em áreas científicas com vertente médica, nomeadamente Psiquiatria (30 %), Abuso de Substâncias (22 %), Neurologia e Neurociências (15 %), Farmácia e Farmacologia (13 %), Psicologia (13 %), Medicina Geral (7 %). A área da Química representa apenas 5%, enquanto que a engenharia totaliza não mais do que 1% destas publicações. 

Já em termos de geografia da publicações científicas, 34% têm origem norte-americana, seguindo-se Inglaterra (11 %), Austrália (9 %), Canadá (8 %), França (6 %), Alemanha (5 %), Holanda (5 %) e Espanha (5 %).

De referir que os pedidos de patentes (mais difíceis de sistematizar) parecem seguir uma tendência idêntica à das publicações científicas, mantendo-se crescente no mesmo período temporal.  


* * *

A empresa GW Pharmaceuticals, e o surgimento de fármacos à base canábis:

Ainda no que diz respeito às patentes é de notar que 20.2 % das ocorrências pertencem à empresa norte-americana GW Pharmaceuticals. Esta empresa foi fundada também em 1998, está listada na bolsa de valores NASDAQ (GWPH), e possui operações quer nos EUA como no Reino Unido.

A GW desenvolveu com sucesso o primeiro medicamento de prescrição derivado da planta de canábis, que agora é aprovado em mais de 25 países fora dos EUA para o tratamento da espasticidade decorrente de esclerose múltipla. Este produto dá pelo nome de Sativex® (contém delta-9-tetrahidrocanibinol, vulgo THC e também canabidiol, vulgo CBD).

Em junho de 2018 a mesma empresa viu a agência FDA aprovar também a solução oral EPIDIOLEX® (canabidiol) para o tratamento de convulsões associadas à síndrome de Lennox-Gastaut (LGS) ou síndrome de Dravet em pacientes com dois anos de idade ou mais. O EPIDIOLEX® é a primeira formulação farmacêutica de prescrição de canabidiol derivado de plantas altamente purificado (CBD), um canabinóide sem o alto nível de psicoatividade associado à marijuana, e o primeiro de uma nova categoria de medicamentos antiepiléticos (DEAs).


* * *

A complexidade química da canábis, e a diferença entre purificar ou não os seus componentes:

O assunto da canábis está longe de estar resolvido de ponto de vista legal mas também cultural, e em matéria de ciência existem contradições relativamente ao benefício ou prejuízo do consumo da planta e seus componentes. Um dos motivos para a falta de consenso decorre de um problema bem conhecido por todos os que investigam extratos naturais a partir de matrizes vegetais, que é a complexidade (riqueza) química que tais produtos de base natural conseguem exibir.

O estado da arte em matéria de processos de extração (seja com solventes orgânicos, fluidos supercríticos, iónicos, eutéticos, por via de ultrassons ou microondas, etc) mostra ser virtualmente impossível extrair diretamente um composto químico puro a partir de uma matriz vegetal complexa como a canábis. É possível enriquecer mais ou menos num dado composto ou grupo de compostos, bem como fracionar e produzir amostras com composição distinta, mas nunca isolar um composto a ponto do extrato ser considerado puro. Para isolar compostos puros é necessária combinação de passos de extração (separar/retirar os compostos da própria planta) e de purificação  (separar compostos extraídos entre si). Tais etapas de purificação passam por técnicas/tecnologias como cromatografia, destilação, extração líquido-liquido, precipitação, cristalização, etc.

Esta dualidade de realidades (planta complexa vs. componentes puros) faz com que haja uma diferença significativa entre investigar a planta canábis para consumo tal qual (fumada ou consumida em extratos não purificados) ou purificada através de processes refinados e capazes de isolar os seus componentes. Só com esta última abordagem parece ser possível controlar o efeito viciante e psicoativo das moléculas THC (e CBN)  dos demais compostos - THCA, CBD e CBG - que nada têm de psicoativos e que pelo contrário exibem várias funções terapêuticas, tais como antibacterianas, antibióticas, sedativas, anticonvulsão, antinflamatória, ansiolítica, antipsicótica, antiespasmódica, ou antifúngica. Tais compostos estão listados e sumariamente caracterizados abaixo.