Viviana Silva (VS) é atualmente
Digital Program Manager Manufacturing na
DSM-Firmenich, com mais de 20 anos de experiência em
inovação, digitalização e sustentabilidade no setor industrial.
É Licenciada e Doutorada em Engenharia Química pela Universidade do Porto, com uma pós-graduação em Gestão de Empresas pela Porto Business School. Iniciou a sua carreira como docente no Instituto Politécnico de Bragança e investigadora na Universidade do Porto, onde liderou projetos de I&D em biorefinação e nanotecnologia.
Como Business Unit Leader na Fluidinova, impulsionou o desenvolvimento de produtos inovadores com base em nanomateriais. Posteriormente, integrou a BASF em funções internacionais, incluindo líder de um programa global de otimização de processos com Big Data e especialista sénior em Avaliação do Ciclo de Vida, com foco na digitalização da pegada de carbono.
Para além da sua trajetória corporativa, foi Presidente da ASPPA (Associação de Pós-Graduados Portugueses na Alemanha) entre 2021 e 2024 e integra o Conselho da Diáspora Portuguesa desde 2022, onde é Coordenadora do Centro de Competência para os setores Agroalimentar, Florestal, das Pescas e da Aquicultura.
É vencedora de vários prémios de mérito, incluindo o IChemE Award em 2008, e autora de mais de 50 publicações científicas e cinco patentes.
Revê-se no dizer
popular "o caminho faz-se andando" para descrever a sua carreira?
VS: Sim, identifico-me com
essa expressão. A minha trajetória combina planeamento estratégico com flexibilidade
para adaptar-me às oportunidades. Embora tenha iniciado na academia, percebi
que poderia expandir meu impacto no setor empresarial, o que me levou a
explorar novos caminhos internacionais com uma abordagem simultaneamente
estruturada e ágil.
O que a levou a decidir sair do meio académico para uma carreira empresarial?
VS: A decisão resultou de fatores pessoais e profissionais. A conjuntura de recessão em Portugal coincidiu com o nascimento do meu filho, levando-me a procurar maior estabilidade. Simultaneamente, sempre tive curiosidade em aplicar conhecimento científico na indústria. A oportunidade na BASF em 2011 representou um desafio significativo – emigrar como mãe recente – mas revelou-se uma aposta transformadora para toda a família.
O que se ganha e o que se perde ao sair da academia e entrar no meio empresarial?
VS: Ganha-se uma visão mais pragmática da inovação, que vai além da engenharia para incluir oportunidades de negócio e implementação de soluções com impacto tangível. A experiência em equipas multidisciplinares desenvolveu as minhas capacidades estratégicas e adaptativas.
A academia oferece maior liberdade para exploração sem pressão por resultados imediatos. No mundo empresarial, o ritmo é mais acelerado e exige equilíbrio entre inovação e viabilidade económica. Contudo, o impacto concreto das soluções desenvolvidas compensa amplamente esta mudança de dinâmica.
Reserva no seu horizonte um possível regresso à academia?
VS: Sim, consideraria um regresso à academia, mas apenas num contexto de ensino renovado. Traria experiências industriais em digitalização, big data, inteligência artificial e avaliação de ciclo de vida para formar engenheiros capazes de liderar a transformação para uma economia sustentável e digitalizada. Apostaria num modelo educativo que combinasse rigor teórico com forte componente prática, preparando estudantes para um mercado em constante evolução.
Ao longo da sua carreira já trabalhou em temas técnicos como aditivos de diesel, produção de solventes sustentáveis, produção de agroquímicos, assim como tecnologias de separação: qual o mais desafiante e porquê?
VS: O setor agroquímico foi o mais desafiante, particularmente no desenvolvimento do Xemium® (fluxapyroxad). Este projeto exigiu domínio de reações químicas complexas com catalisadores de paládio, implementação de tecnologias digitais como computer vision e soft sensors baseados em IA, e conformidade com rigorosos quadros regulatórios em mais de 30 países.
Implementei métodos de recuperação de paládio através de resinas de permuta iónica, sistemas automatizados para separações de fases líquido-líquido, e tecnologias de análise em tempo real (NIR, FTIR, Raman). Paralelamente, desenvolvemos estratégias para minimizar efluentes e modernizar sistemas de purificação, equilibrando inovação tecnológica, excelência operacional e sustentabilidade.

Quais as vantagens da formação em engenharia química para o seu percurso?
VS: A formação em Engenharia Química forneceu-me uma base sólida de conhecimentos em química, física, matemática e processos industriais, essencial para atuar nos diversos setores da minha carreira. Proporcionou-me uma visão sistemática para resolver problemas complexos, identificando variáveis críticas e propondo soluções escaláveis. Esta solidez científica permitiu-me adaptar a diferentes ambientes e dialogar eficazmente com equipas multidisciplinares, desde I&D até operações e estratégia de negócio.
É coinventora de 5 patentes: pode falar daquela com maior impacto?
VS: As patentes que desenvolvi na Fluidinova e BASF têm impacto significativo por estarem implementadas em processos industriais ativos. Além da inovação técnica, estabeleceram barreiras competitivas importantes, protegendo mercados estratégicos em nanomateriais e "bulk chemicals" sustentáveis.
O facto de ser mulher dificultou o seu percurso profissional?
VS: Sim, especialmente numa área tradicionalmente dominada por homens. Na Alemanha, enfrentei a necessidade de provar continuamente minha competência, não apenas por ser mulher, mas também por ser estrangeira e mãe. Em ambientes industriais conservadores, a conciliação entre carreira e maternidade foi frequentemente questionada, como ilustra o termo "Rabenmutter" (mãe corvo) aplicado a mães trabalhadoras.
Contudo, transformei estes desafios em motivação para construir uma carreira sólida em ambientes multinacionais exigentes. Ser mulher também me proporcionou capacidades de liderança com empatia, visão estratégica e adaptabilidade – competências cada vez mais valorizadas na transformação industrial e na liderança moderna.
Algures em 2019, fez uma migração para temas de big data, digitalização de produção e tecnologia: que tipo de desafios teve de superar?
VS: Em 2019, a transição da engenharia de processos para digitalização exigiu uma mudança fundamental de mindset. Além de adquirir rapidamente novas competências técnicas, geri a transformação organizacional, promovendo literacia digital nas equipas de produção. Implementei ferramentas como TrendMiner e Seeq em mais de 80 fábricas e desenvolvi soft sensors e aplicações de otimização preditiva, consolidando a ponte entre engenharia tradicional e transformação digital.
Que papel devem assumir estes temas para os futuros licenciados em Engenharia Química?
VS: Para futuros engenheiros químicos, as competências técnicas permanecem essenciais, mas o diferencial estará nas soft skills e na humildade intelectual para aprender continuamente. Será fundamental desenvolver capacidades interdisciplinares, reconhecendo a relevância de áreas como ciência de dados, biotecnologia e economia circular.
Competências como pensamento crítico, adaptação à mudança, empatia e comunicação eficaz serão cada vez mais valorizadas. O engenheiro do futuro deverá não apenas dominar a tecnologia, mas também inspirar mudança, trabalhar em rede e aprender continuamente – sempre com humildade e propósito.

Desde outubro de 2024 que trabalha na multinacional holandesa DSM-Firmenich AG, uma empresa referência em inovação nos setores da cosmética, saúde e nutrição. O seu cargo "Digital Program Manager Manufacturing" propõe-se a produzir que tipo de impacto na organização?
VS: O meu objetivo na DSM-Firmenich é impulsionar a transformação digital nas operações industriais, gerando impacto em três dimensões: (i) Eficiência: Implementando programas globais de digitalização e otimização de operações com advanced analytics e inteligência artificial para decisões baseadas em dados. (ii) Sustentabilidade: Introduzindo tecnologias digitais para otimização de recursos e monitorização do consumo energético. (iii) Futuro do trabalho: Focando na transformação industrial para produção autónoma com sistemas inteligentes, colaborativos e adaptáveis, adotando IA responsável e ética. Procuro alinhar inovação digital com excelência operacional e o compromisso da empresa com um futuro sustentável, ético e centrado nas pessoas.
Que impacto têm as diferenças culturais entre Alemanha, Holanda e Portugal na produtividade? As diferenças culturais impactam significativamente a produtividade através da comunicação, tomada de decisão e gestão do tempo.
VS: A Alemanha caracteriza-se por elevada formalidade e estrutura, com produtividade associada ao planeamento minucioso e responsabilidades claras. A hierarquia é respeitada e há preferência por processos estabelecidos, garantindo consistência mas ocasionalmente limitando a adaptabilidade.
A Holanda, por contraste, valoriza fortemente a autonomia, a horizontalidade nas relações profissionais e a adaptabilidade. De acordo com estudos culturais recentes, como o de Erin Meyer (The Culture Map), é um dos países mais "igualitários" e com uma abordagem de "confronto construtivo" — onde debater ideias de forma aberta é encarado como parte natural do processo produtivo. Esta cultura fomenta uma elevada capacidade de inovação e adaptação, fatores essenciais na era da transformação digital. Portugal apresenta maior flexibilidade e ênfase nas relações humanas, com produtividade ligada à adaptação e improvisação, embora a menor estruturação possa dificultar a execução sistemática de grandes projetos. Trabalhar entre estas culturas ensinou-me que produtividade não é apenas eficiência, mas adequar estratégias ao contexto cultural para construir equipas ágeis e resilientes.
De que modo perceciona o efeito das diferentes culturas na inovação e capacidade de disromper soluções?
VS: As culturas influenciam significativamente a abordagem à inovação disruptiva: Na Alemanha, particularmente na BASF, a inovação ocorre com planeamento rigoroso e risco mitigado. Cada etapa é cuidadosamente validada antes de avançar, garantindo segurança na implementação de mudanças estratégicas. Na Holanda, as equipas são mais ousadas e avançam com menos preparação formal. O erro é aceite como parte do processo de inovação, e a decisão mais horizontal incentiva experimentação rápida e melhoria contínua. Em Portugal, destaca-se o "desenrascanço" – criatividade para encontrar soluções com recursos limitados. Para fortalecer a inovação estruturada, seria importante quebrar silos organizacionais e combinar a colaboração horizontal holandesa com o rigor alemão. A inovação disruptiva requer equilíbrio entre experimentação e execução rigorosa, combinando agilidade, colaboração e excelência operacional.
Que diferenças identifica no reconhecimento da profissão de Engenheiro Químico entre os três países?
VS: Na Alemanha, apesar da valorização da engenharia, a formação em Engenharia Química é mais segmentada em áreas como Verfahrenstechnik (Engenharia de Processos) ou Angewandte Chemie (Química Aplicada). Isto permitiu-me contribuir com abordagens mais transversais, combinando competências de processo, produto e sustentabilidade. Na Holanda, a Engenharia Química tem presença consolidada em escolas como TU Delft, TU Eindhoven e University of Twente, combinando excelência técnica com orientação para inovação e sustentabilidade. Em Portugal, particularmente na FEUP, a preparação técnica e científica é forte, mas identifiquei lacunas na integração indústria-academia, em competências digitais emergentes e na ligação direta com o mercado. A FEUP beneficiaria de um benchmark sistemático das necessidades dos empregadores e do posicionamento das melhores escolas internacionais.
O que considera prioritário para Portugal alcançar maior sucesso industrial?
VS: Com base na minha experiência internacional, considero prioritário: Apostar em setores estratégicos como energia e alimentação, aproveitando as nossas vantagens naturais – biodiversidade, floresta e oceano; Construir mais indústria transformadora em Portugal, desenvolvendo cadeias de valor completas que gerem maior valor acrescentado; Promover ação concertada entre governo, indústria, academia e centros de inovação, estabelecendo parcerias estratégicas para acelerar projetos de impacto; e Aproveitar a diáspora qualificada, criando condições para o regresso de talento português e aproveitando seu know-how global para impulsionar a competitividade e inovação. O futuro passa por um ecossistema industrial robusto, conectado internacionalmente e orientado para sustentabilidade e inovação tecnológica.

Tem estado presente ao mais alto nível em fóruns políticos, diplomáticos, e empresariais: de que modo perspetiva a superação dos desafios ambientais? Qual o papel do mar, floresta, e agricultura - temas que lhe são próximos no Conselho da Diáspora Portuguesa - no desbloquear de progressos?
VS: A superação dos desafios ambientais exige uma abordagem integrada onde ciência, tecnologia, indústria e políticas públicas avancem em conjunto. Portugal tem ativos naturais únicos — o mar, a floresta e a agricultura — que podem ser motores de inovação sustentável se forem devidamente potenciados. O mar português, com uma das maiores zonas económicas exclusivas da Europa, representa uma plataforma extraordinária para promover novas cadeias de valor, desde aquacultura sustentável até exploração do sargaço para bioplásticos, fertilizantes naturais e ingredientes de alto valor. A floresta, gerida sustentavelmente, pode tornar-se pilar da bioeconomia, promovendo biomateriais e soluções baseadas na natureza para descarbonização e preservação da biodiversidade.
Na agricultura, práticas regenerativas, digitalização e tecnologias de precisão permitirão sistemas alimentares mais resilientes e amigos do clima. Portugal tem todas as condições para se afirmar como um hub internacional de inovação sustentável, usando os seus recursos naturais — mar, floresta e agricultura. Para desbloquear este potencial, é fundamental fortalecer parcerias público-privadas, apostar em inovação tecnológica e alavancar o talento da diáspora portuguesa.
Como pode Portugal contribuir para as alterações climáticas? Ficaria satisfeita com o confirmar do fotovoltaico, hidrogénio verde e lítio?
VS: Portugal deve ir além da sustentabilidade convencional, adotando uma visão regenerativa dos ecossistemas dentro dos limites planetários. Na energia, Portugal pode desenvolver corredores e portos verdes para transporte de combustíveis alternativos como metanol e amónia verde, complementando o hidrogénio. Há oportunidade de integrar plataformas solares offshore com sistemas de energia das ondas, criando hubs multifuncionais que combinem produção renovável com aquacultura e data centers subaquáticos. Para o lítio e metais críticos, Portugal deve adotar extração responsável enquanto fortalece a economia circular, inovando em tecnologias de reciclagem para minimizar impactos ambientais e aumentar a autonomia estratégica. O verdadeiro contributo português será liderar pelo exemplo: construindo uma economia regenerativa que respeite os limites planetários e inove para restaurar ecossistemas.
Que livro recomendaria como leitura urgente e obrigatória?
VS: Dada a crescente complexidade dos ambientes profissionais e multiculturais em que atuamos, recomendaria a leitura de "Surrounded by Idiots: The Four Types of Human Behaviour", de Thomas Erikson, que aborda de forma prática a compreensão dos diferentes perfis comportamentais – competência essencial para liderar equipas diversas, comunicar eficazmente e aumentar a eficácia organizacional. Entretanto, Thomas Erikson lançou também a continuação desta abordagem com o livro "Surrounded by Bad Bosses and Lazy Employees: or, How to Deal with Idiots at Work", que ainda não li, mas que planeio ler brevemente. Acredito que investir em inteligência emocional e comunicação adaptativa será cada vez mais decisivo para quem quer liderar mudanças de forma humanizada, ética e com impacto positivo.
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O BEQ agradece publicamente a Viviana Silva pela disponibilidade de ser entrevistada.
A entrevista foi realizada em Maio de 2025.