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Sobre o contrasenso que é fumar, quando se trabalha num laboratório de química




Nem sempre na história da atividade laboratorial foi proibido fumar dentro de laboratórios de química e engenharia química. Porventura um dos casos mais emblemáticos desta prática é o de Robert Burns Woodward (1917-1979), galardoado em 1965 com o Nobel da Química pela síntese de clorofila. Ao que parece, Woodward fumava recorrentemente no laboratório, promovendo o risco de incêndio (trabalhava com solventes voláteis) mas também o perigo de intoxicação (compostos tóxicos poderiam contaminar o cigarro e ser por essa via inalados).

A prática laboratorial evoluiu imenso, e a realidade atual é muito diferente daquela promovida por Woodward. Os padrões de segurança evoluíram, e equipamentos como as hottes de extração de gases encerram soluções muito importantes e efetivas para a minimização dos riscos de exposição a compostos perigosos ou suscetíveis de provocar lesões e complicações de saúde a médio-longo prazo.

Nestes contexto, é no mínimo curioso verificar como as normas institucionalizadas que obrigam ao cumprimento de regras de segurança por parte de investigadores e/ou técnicos com atividade laboratorial profissional, conseguem fazer mais por algumas dessas pessoas do que, por vezes, elas próprias por si mesmas, em termos de preservação da sua boa saúde.

Se não veja-se: um técnico de laboratório que tenha de trabalhar com monóxido de carbono, amónia, tolueno, cianeto, cetonas, xileno, arsénio, cádmio, alcatrão, polónio, níquel, benzeno ou acroleína, entre outros, terá de operar de bata, luvas, óculos, numa hotte, garantindo que tudo que de lá sai está neutralizado, e garantindo uma correta deposição final dos resíduos.

Essa mesma pessoa, porém, é capaz de sair minutos a seguir do laboratório, eventualmente com a bata vestida (mas desabotoada), e dar-se à mais desprendida e deliberada inalação e intoxicação, muito à custa desses mesmos compostos - diga-se -  salvaguardando-se por uma prática social com um estatuto especial a que se dá o nome de fumar.

Perdoem-me a franqueza - nesta assunto não tenho telhados de vidro - mas o fumar é algo que em profissionais de química e engenharia química levanta um enorme contrasenso, votando as normas de segurança e saúde numa dimensão paradoxal. Vale a pena refletir sobre isto.
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Termino com um vídeo de uma experiência onde se "fumam" artificialmente 400 cigarros, fazendo passar o extrato gasoso por um solvente que lhe dissolve o alcatrão, entre outros. De pequena concentração individual em pequena concentração individual, chega-se a uma quantidade final que poderia servir para tapar um buraco no pavimento.