Salmoura de unidades de dessalinização: uma oportunidade para obter minério a partir da água do mar?
O concentrado proveniente de centrais de dessalinização ainda é visto principalmente como um produto residual a eliminar – um problema potencial a ser gerido, e não uma oportunidade [105].
(...) A economia da mineração de salmoura dependerá significativamente da quantidade de material processado. Uma unidade que produza mais de 1 milhão de metros cúbicos de salmoura por dia será capaz de implementar processos que não seriam económicos para uma unidade que produza 10 000 metro cúbicos de salmoura por dia.
(...) A salmoura (concentrada) das centrais de dessalinização contém grandes quantidades de minerais, enriquecidas em concentração em comparação com a água do mar. (...) Na mineração direta de água do mar, a energia equivalente à energia gasta na operação da central de dessalinização de água do mar precisaria ser explicitamente adicionada ao sistema para alcançar tal aumento na concentração. A extração de produtos minerais do concentrado da central de dessalinização tem vantagens potenciais em comparação com a mineração terrestre dos mesmos compostos. Estes incluem: a escala essencialmente inesgotável do oceano; a composição constante do oceano; a vasta capacidade do oceano para diluir os fluxos de resíduos tratados; e a pegada estável e fixa da operação de mineração..
(...) À medida que as tecnologias para a mineração de salmoura na água do mar se desenvolvem, o concentrado de dessalinização como fonte de minerais torna-se mais viável económica e ambientalmente. O ganho económico obtido com a extração de minerais é proporcional ao aumento da concentração de minerais no concentrado bem como ao preço de mercado desses minerais. A este respeito, a mineração de compostos de elementos incluindo Mg, Na, Ca, K, Sr, Li, Br, B e Rb poderia ter potencial para ser economicamente atraente para a recuperação a partir de concentrados, isto se forem desenvolvidos métodos adequados de concentração e extração de salmoura.
(...) Ambientalmente, a extração de salmoura é menos intrusiva do que a mineração convencional, com o benefício adicional de redução nos volumes de salmoura. A viabilidade comercial foi avaliada como provável para uma série de produtos, incluindo bromo, cloro, hidróxido de sódio, magnésio, sais de potássio e urânio, muitos dos quais são actualmente ou foram historicamente produzidos economicamente a partir da água do mar [11].
É provável que a intensificação do processo resulte em melhorias adicionais nas tecnologias, especificamente nas tecnologias de membrana, para recuperar de forma sustentável os minerais do concentrado [9,16].
(...) As principais tecnologias aplicadas ou propostas para extrair minerais da água do mar são evaporação com precipitação sequencial, precipitação sequencial seletiva, separação por membranas, eletrodiálise, destilação e cristalização por membranas (MDC) e adsorção/dessorção/cristalização [10]. Em todas estas tecnologias, a concentração do metal alvo para extração é primeiro aumentada até o nível de supersaturação para permitir a sua cristalização. Em todas estas tecnologias, exceto a última, a recuperação de minerais exige que o produto de solubilidade do sal seja menor que o produto iónico enriquecido dos iões constituintes. Apenas o método de adsorção/dessorção/cristalização não depende da concentração da salmoura. Tem sido proposto com mais frequência para a obtenção de minerais contendo elementos menos comuns como Li, Sr, Rb e U [57,85,88,107]. Os adsorventes permitem que esses minerais sejam adsorvidos com outros minerais e posteriormente dessorvidos e cristalizados quantitativamente.
Um resultado recorrente das nossas avaliações das operações propostas de mineração de salmoura é que focar num único produto é menos viável do que processos integrados que permitem o isolamento de uma série de produtos comerciais de um mesmo fluxo de processo.
Fonte: Sharkh, B.A., Al-Amoudi, A.A., Farooque, M. et al. Seawater desalination concentrate—a new frontier for sustainable mining of valuable minerals. npj Clean Water 5, 9 (2022).
A composição mineral da água do mar:
Do ponto de vista macro, os componentes salinos representam, tipicamente cerca de 3.4 % da massa (peso) da água do mar. Desta fração, os constituintes mais relevantes são o cloro (~55.2 %), sódio (~31 %), sulfato (~7.7 %), magnésio (~3.7 %), cálcio (~1.2 %), potássio (~1.1 %), e bicarbonato (~0.41 %). Esta distribuição é realçada na figura abaixo.
O valor mineral da água do mar deve ser contemplada do ponto de visto de compostos minoritários, pois só aí se consegue contemplar a riqueza mineral que a água do mar representa para quem dela pondera extrair elementos alternativos ao da mineração de substratos rochosos. Para o demonstrar, repare-se no produto Biomaris Sakai, que é um suplemento alimentar que nada mais é do que água do mar das profundezas do Oceano Atlântico, e alega fornecer ao corpo humano todos os minerais que estão em equilíbrio na água do mar. Reivindicações de saúde à parte, que minerais adicionais são esses? De acordo com essa marca de suplementos, por litro, encontramos:
- Bromo(Br): 68 mg
- Ácido bórico (HBO2): 4,6mg
- Fluor (F): 1,2 mg
- Ácido silícico (H2SiO3): 0,3 mg
- Rubídio: 0,13 mg
- Amônio (NH4): 0,05 mg
- Iodo (I): 0,05 mg
- Lítio (Li): 0,016 mg
- Molibdênio: <0,012 mg
- Ferro (Fe): 0,006mg
- Bário: <0,005 mg
- Manganês: <0,002 mg
- Vanádio: <0,001 mg
Composição da Salmoura e fator de concentração face à agua do mar:
Geralmente, os componentes dos concentrados de dessalinização podem ser divididos em:
a) componentes principais, como cloreto (Cl− ), sódio (Na+), sulfato (SO42-), magnésio (Mg2+), cálcio (Ca2+), potássio (K+)
b) componentes menores, definidos como aqueles que podem ser encontrados em concentrações abaixo de 1,0 mg/L, como lítio (Li+), rubídio (Rb), boro (B), estrôncio (Sr), índio (In), bário (Ba), níquel (Ni), urânio (U ), césio (Cs) e germânio (Ge).
(...) As concentrações de minerais na salmoura são geralmente duas vezes maiores que as da água do mar, o que favorece a sua cristalização antes ou depois da adsorção para maior concentração
Fonte: Zhang, X., Zhao, W., Zhang, Y. et al. A review of resource recovery from seawater desalination brine. Rev Environ Sci Biotechnol 20, 333–361 (2021).
Extração de minerais de salmoura: uma alternativa à mineração suboceânica tida como estratégica?
De entre o leque de temas (na ótica da área da engenharia química) apontados pelo plano de António Costa Silva com vista à reindustrialização e recoversão industrial do país, vertidos no documento Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social 2020-2030, encontra-se a prospeção mineral. 30 Fizemos em julho de 2020 uma publicação dedicada ao tema, onde se pode ler:
Por outro lado, tanto no território continental como na sua ZEE, com a extensão da plataforma continental, Portugal tem reservas de minerais estratégicos e vitais para a transição energética (no continente lítio, nióbio, tântalo e terras raras; a norte dos Açores crostas de níquel, cobalto e manganês e a sul dos Açores uma das maiores manchas de sulfuretos polimetálicos do mundo; ocorrência de ouro, prata, cobre, zinco e chumbo nos campos hidrotermais da Fratura Dorsal Atlântica, nos Açores).4 Não podemos ter uma civilização tecnológica avançada e pensar que não precisamos de recursos minerais estratégicos. Precisamos e o seu controlo é decisivo para a evolução geopolítica do século XXI.
(...) (...) Sendo certo que as novas descobertas serão em ambientes geológicos mais complexos e a profundidades maiores, é fundamental o investimento nas novas tecnologias de mineração, com particular relevo para técnicas de prospeção não-invasivas (i.e., métodos geofísicos amigos do ambiente para exploração em hard-rock), a automação, robótica e as tecnologias digital mining e smart mining que reduzem o consumo de energia, o consumo de água e minimizam os riscos ambientais.